(uma técnica quase em extinção)
Por: Vannda Santana
Reviver a escrita a mão é
processar a palavra no seu contexto teórico: Caligrafia vem do grego “calli” e significa “belo”, grafia
“escrita”. Assim, a letra pode até não ser bela, mas seu registro impresso no
papel guarda uma “imagem”, um sinal gráfico que significa uma marca, um
registro individual, no qual se imprime a identidade individual. Poderíamos até
dizer que, para além do grafismo, há um simbolismo. A letra marca esse registro
no escrito, deixa “rastros” de legitimidade, imprime um caráter, mostra sua
marca de identificação, sinaliza seu traço único e, assim, denuncia quem o fez. Portanto, a letra é muito mais que uma marca
individual; através dela e do traço que simboliza sua forma pode-se definir o
dono da escrita, pode-se deduzir uma estrutura bem próxima de uma identidade
pessoal. Dentro desse critério, podemos conceituar a grafologia como ciência;
um estudo analítico da personalidade, feito através da escrita. Trata-se de um estudo
de conhecimento científico grafológico, o qual tem como referência suas características
essenciais, que afirma ser capaz de dar
conta da verificação e da análise da personalidade da escrita do indivíduo. Não
é aqui o caso específico.
A palavra Escrever
origina-se do grego “gráfein” e em latim “scribere”, significando a origem da
ação da escrita grafada. Aqui neste artigo, a intenção é relembrar os tempos
remotos, tempos da escrita feita à mão, um processo já quase que em extinção. Poucas
são as pessoas que ainda se utilizam da escrita à mão. Por isso mesmo, tento
voltar no tempo, ir até lá, - onde a
memória havia se rendido lentamente aos velhos hábitos – e saltar do passado ao
presente, numa espécie de ponte que vai do recuar do tempo à adequação de novas
tecnologias, num exercício vigoroso de reconhecimento do novo mas sem
abandonar, totalmente, velhas práticas da escrita feita à mão. A chegada desses
novos hábitos mudaram, radicalmente, o rumo e a troca da comunicação; os computadores
facilitaram os meios de informação, tais como os e-mail que chegaram para
derrubar fronteiras e ainda falam em tempo real, onde quer que a notícia
aconteça. Portanto sem fronteiras, não há mais distância entre os cidadãos de
qualquer lugar do mundo. Daí, o ato de escrever à mão ter caído em desuso.
Assim sendo
e sem lançar mão de conceitos científicos, torna-se visivelmente fácil
diferenciar a letra de uma pessoa que esteja centrada, calma, envolvida com o
fazer de seu escrito, daquela outra que, sem concentração e sem capricho, deixa
seus rabiscos tortuosos falar por ela mesma.
Eis, então, a
pergunta: uma simples observação sobre a letra seria capaz de revelar o que se
passa no interior do indivíduo? Posso
até dizer que sim. Porém, não fiz nenhum estudo sobre grafologia e não seria o
caso aqui em questão. O que se pretende com este texto é nada mais nada menos
que oferecer ao leitor uma visão desmitificadora da escrita à mão. Depois do
evento do computador, com os recursos da tecnologia da Informática, percebeu-se
que a escrita a mão ficou em segundo plano e, às vezes, em total desuso. Desse
modo, afirma-se que através da grafia (guardando
algumas observações) chega-se ao caráter psicológico do indivíduo, pelo tipo da
letra-escrita a mão. Todo professor deve conhecer bem o tipo de letra de seus
alunos; podendo garantir a diferença visual dos que são mais cuidadosos,
daqueles que não o são.
Se o cérebro determina o que a mão deve escrever,
acredito que a mão também se torne cúmplice por emprestar ao papel o grafismo impresso
na folha branca. Assim, como um fio de energia criativa, a escrita escapa do pensamento pela mão e logo escorre pela
ponta da caneta, em forma de tinta ou de grafite, isto é, uma energia
que se desloca das idéias, passando pela mão até chegar ao papel.
De certa
forma, a escrita cumpre seu ritual, plasma-se num desenho gráfico em forma de
letras: letra torta, redonda, gorda,
comprida, esquisita, letra feia,
a letra dos disléxicos como classificam
alguns teóricos; letra bordada,
rabiscada, embolada, indecifrável, grande, pequena, subindo morro ou
despencando ladeira abaixo. Não importa a ordem em que essa estrutura esteja manifesta
no corpo da letra, nem a forma em que os rabiscos grafados apareçam
arquitetados por gestos ou carregados de intenção. Para o nosso caso aqui,
leitor, nada importa mais que a sua leitura.
Por outro lado, queremos chamar à atenção para os
atos de criação: uma letra pode estar a serviço de uma ideia e para que esta
possa vir a se fixar e se plasmar no papel, há que se ter um veículo que a
conduza ao seu destino. Então, constatamos ser a mão o elemento que favorece o
caminho da escrita. Daí, que toda ideia intenta contar uma história e a escrita
é o único veículo de cultura que, sabiamente, irá conduzir a linguagem a fim de
ser ideiaescrita. Parece complicado.
Descomplicando: haja vista as histórias de cada povo e de cada tempo de sua
época. Entretanto, cada tempo e povo tem seus registros alicerçados, assim, tal
como na película de um filme que conserva o enredo e a trama da cultura de um
passado. Desse modo, a história também
se faz reveladora de um registro. Pode dizer-se que os fósseis humanos foram vistos
e interpretados pelos paleontólogos numa perspectiva condicionada pela sua
época segundo André Leroi-Gourhan.[1] A
história da existência humana analisada sobre esses aspectos remontam fatos
para muito além da letra.
A libertação da mão tem sua origem na história da fisiologia humana, das
ações e do pensamento. Sabemos que a letra é individualizada, personificada e,
por isso mesmo, ela é uma identidade física, uma manifestação de um certo
fisiologismo psicológico e, talvez, fosse notório lembrar que os símbolos
gráficos remontam, criteriosamente, às primeiras escritas nas pedras e nas
paredes das cavernas. É de lá que resgatamos os registros que foram
deixados da espécie humana: o modo de
ser e de viver de cada povo. Por isso, pode-se afirmar que pela estrutura da
letra, do rabisco e das formas, talvez pudéssemos chegar a uma argumentação que
nos levasse ao pictórico no terreno das pesquisas mais longínquas, através de uma
análise de que a ideia de todo autor é,
antes e também, a inscrição de um tempo
e da própria escrita. Essa hipótese visa
sustentar que toda ideia empresta à mão uma espécie de senha
no momento da transcrição da escrita. Seria, talvez, um elo mágico? Ou seria esse
algo (nascido das idéias) que, ao contaminar a escrita, por meio de uma
semiologia, denotaria uma informação celular como hierarquia de um núcleo familiar?
É sabido que se perdeu o status da escrita à mão diante da evolução da
tecnologia na era digital, da escrita eletrônica. Então, adotamos um status
para a escrita - o de ser uma vilã na revolução do mundo informatizado, - onde
as normas apontam para novos paradigmas no ato de “escrever”. O rigor
tecnológico cristaliza sua exigência perante a velha estrutura, enquanto que as
novas formas de representações vão se alterando no eixo de identificação que se dá entre o escriba e a existência do texto.
Estamos falando de forma física como forma padrão, deixando claro que já não é
mais permitido ao texto exibir sua grafia, sua letra como arte original de uma
escritura feita à mão. Há casos, regras
e, também, exceções.
Portanto, o ato de escrever vai muito além de uma simples atividade como artefato manual. Há em torno da escrita,
uma certa magia, uma forma de como a mão vai imprimindo o desejo ideal a ser desenhado pela letra na escrita. E o papel em branco? Ah! o papel..., este nada fala mas, aceita. O papel é o próprio silêncio fundante[2] sabe
ser cúmplice daquilo que o pensamento dita para a mão. O papel tem sua discrição, nem questiona a eficácia intelectual de
quem escreve. O papel é assim, só se
importa com o registro que fica impresso em sua pele.
Amigo leitor, a arte de escrever é um privilégio e a mão é apenas uma
aliada do processo de uma idéia.