“NARRAR PARA VIVER E LER
PARA NÃO MORRER”
“Quase em lágrimas, acabei por depô-los sobre os
joelhos de minha mãe. Ela levantou os olhos de seu trabalho: “O que queres que
eu te leia, querido? As Fadas?” Perguntei, incrédulo: “As Fadas estão aí
dentro?”
(Biografia de Sartre, “As Palavras”)
Por: Vannda Santana
Revisão: Marcia Vital
Relendo o livro Biblioterapia de Marc-Alain Ouaknin, é possível
questionar por que uma técnica tão antiga de leitura pôde levar tanto tempo
para ser considerada mais que um mecanismo de entretenimento – técnica terapêutica para curar – muito além
do alto poder de sedução e encantamento. Além do mais, já sabemos que as histórias
infantis guardam seus truques; pois além de cativar o ouvinte pela magia
presente em cada conto de fadas, também favorece a que toda criança, ao simbolizar,
se reconheça na trama do simbólico, na esteira da escrita. Na epígrafe,
infere-se como a leitura dos contos de fadas pode produzir significados
psicológicos tão eficazes, capaz de despertar o desejo de integração ao
simbolizar a aventura, projetando, assim, na emoção e no encantamento, o processo de
construção da personalidade. Nos contos de fadas, o bem e o mal recebem corpo
na forma de algumas figuras e de suas ações, já que bem e mal são onipresentes
na vida; e as propensões para ambos estão presentes em todo homem
(BETTELHEIM,1996).
A leitura, para uns, exerce a representatividade de uma
necessidade, enquanto, para outros, serve como teor lúdico. Mas a leitura como terapia
tem um papel mais profundo embutido nas palavras como um remédio sem efeitos colaterais. É desta leitura que vou expor a
minha opinião para você, leitor. Trata-se do dizer daquilo que a leitura produz em silêncio e do que ela pode
ser capaz de promover para o crescimento emocional de qualquer indivíduo: os
exilados de qualquer estado ou, ainda, para as realizações imaginárias, para o
amadurecimento psíquico e para uma legião de necessitados que se realizam
através de leituras específicas.
No livro a que me refiro, Biblioterapia, abrindo um dos capítulos denominado Ler, curar, iniciando, textualmente, a
narração como projeto de “ler para não morrer”, entra em cena a personagem de
as Mil e uma Noites, conhecida como Xerazade, a princesa que contava história para escapar da
morte. A partir daí, a técnica de biblioterapia
ganha um status de verdade necessária, tal como nos contos de fadas. O texto nos informa que é viável a prática da
leitura como terapia em qualquer condição, física ou emocional.
“O diálogo
biblioterapêutico produz uma “passagem dialógica/dialética de um sentido para
outro no seio da significação de uma mesma posição pulsional, passagem
correlativa à intuição de um espaço de mediação, de transição entre os
leitores, ‘espaço tradicional’, como diria Winnicott, espaço de troca no qual a
verdade não é posse de nenhum dos pólos presentes, mas no qual ela se certifica
surgindo na passagem da passagem de uma a outra via a passagem intermediária
que os separa e liga.”[1]
Para tanto, é necessário perceber que esta não
é uma técnica recente na história literária. Já na antiguidade, Aristóteles,
discorreu sobre a liberação das emoções como resultante da tragédia; em que a partir
do ato de excitamento das emoções, de piedade e medo notava-se um alívio
prazeroso, proporcionado pela catarse. Desse modo, vejo na leitura uma porta
aberta à criatividade, assim como já fazem os “doutores da alegria” (pequenos
grupos de profissionais caracterizados de motivos circenses) que adentram alegres
e corajosamente os hospitais e enfermarias pediátricas, levando alegria em seus
rostos caracterizados, somente para
subtrair o sorriso de olhares tristes e doentes de crianças. A leitura aqui é
mais que uma metáfora e pode ser um gesto, uma mímica, um conto ou uma história
qualquer que desperte novas emoções. Esta é uma prática de possibilidade
ressignificativa, um instrumento de auxilio e cura para todos aqueles que se
encontram internados e por extensão, aos familiares
dos pacientes que estão envolvidos no processo de cura. A biblioterapia é uma dessas
práticas que entra na vida do indivíduo e deixa uma marca como resposta
significante: amenizar o sofrimento com algo prazeroso que nos invada a alma. Ela
pode ser utilizada nos asilos, lugar onde os idosos vivem com poucas opções de
leitura, provenientes de suas visões já cansadas. Além disso, a técnica será
indicada também para internos de qualquer lugar onde haja necessidade de romper
com os limites, através do vasto universo que há no mundo das leituras.
Para o profissional de arteterapia, vejo a
leitura, hoje, como uma aliada de grande importância à criatividade; tão
importante quanto um pincel, um lápis ou um frasco de tinta. São inegáveis os
aspectos da leitura como técnica de reler e rever o lido e o escrito como
auxílio de transliteração do texto. Portanto, principalmente para os
profissionais da arteterapia, deve-se ter um cuidado na indicação da leitura,
cabendo ao terapeuta fazer uma seleção de maneira criteriosa para que o
conteúdo a ser oferecido ao indivíduo traga respostas como objeto de
criatividade que se pretende alcançar com a criação da técnica. Para que tal
atitude tenha sua eficácia, é bom ter o cuidado em levantar o histórico de vida
do indivíduo, o que ele está passando naquele momento, qual é a sua história.
Este processo remete-nos a uma anamnese que deverá ter, como referência, a
essência da leitura textual. A busca por
tratamentos especiais e/ou alternativos, aliados aos tratamentos convencionais estão
cada vez mais expostos e competitivos, tal como numa vitrine de ofertas.
Entretanto, a proposta deveria ser o bem-estar do paciente; e o que conta, realmente,
é a saúde em questão. Lamentavelmente, não é bem assim que a “coisa” funciona;
o que acontece não é o que ocorre em todas as esferas da saúde. A biblioterapia
surge como uma nova abordagem e uma nova opção de tratamento para todos os
casos e idades, tipos de patologias e situações.
Dentro dessa nova modalidade de criatividade, estão hipóteses de vários
recursos textuais: leitura silenciosa e oral; interpretação e sentido;
dramaticidade gestual entre outras possibilidades.
Percebemos, então,
que a função terapêutica da leitura admite a possibilidade de a literatura
proporcionar a pacificação das emoções. Retomando, aqui, as lições de Aristóteles,
podemos observar que o filósofo analisa a liberação da emoção como uma resultante
da tragédia – a catarse. Porém, chamamos à atenção para o tipo de exposição de
leitura; o texto a ser lido para liberar
o excitamento das emoções de piedade e medo, terá de passar por uma seleção
criteriosa, a fim de proporcionar, então, o alívio prazeroso. Assim, a leitura
do texto literário, teria uma função determinante, tanto no leitor quanto no
ouvinte, gerando o efeito de placidez, que seria como (remédio) e a literatura,
a virtude de ser o (calmante), a dose
certa e sedativa para curar as angústias do dia a dia.
Desse modo, pode-se
afimar que existe uma terapia exercida por meio de livros, uma terapia que recebe
o nome específico de biblioterapia, originada de dois termos gregos biblion
– livro, e therapeia – tratamento. Admite-se que esse conceito, trata-se
de uma técnica de terapia necessária a todos os cidadãos, indistintamente de
credo, idade, raça e lugar.
Bibliografia:
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Paz e Terra, 1996. São Paulo.
11ª edição.
SARTRE, Jean-Paul. As Palavras. Difusão Européia do Livro, 1964
OUKNIN, Marc-Alain. Biblioterapia. Edições Loyola. São Paulo, 1996