terça-feira, 10 de junho de 2014

"NARRAR PARA VIVER E LER PARA NÃO MORRER"



“NARRAR PARA VIVER E LER PARA NÃO MORRER”
“Quase em lágrimas, acabei por depô-los sobre os joelhos de minha mãe. Ela levantou os olhos de seu trabalho: “O que queres que eu te leia, querido? As Fadas?” Perguntei, incrédulo: “As Fadas estão aí dentro?”
(Biografia de Sartre, “As Palavras”)
Por: Vannda Santana
Revisão: Marcia Vital
Relendo o livro Biblioterapia de Marc-Alain Ouaknin, é possível questionar por que uma técnica tão antiga de leitura pôde levar tanto tempo para ser considerada mais que um mecanismo de entretenimento –  técnica terapêutica para curar – muito além do alto poder de sedução e encantamento. Além do mais, já sabemos que as histórias infantis guardam seus truques; pois além de cativar o ouvinte pela magia presente em cada conto de fadas, também favorece a que toda criança, ao simbolizar, se reconheça na trama do simbólico, na esteira da escrita. Na epígrafe, infere-se como a leitura dos contos de fadas pode produzir significados psicológicos tão eficazes, capaz de despertar o desejo de integração ao simbolizar a aventura, projetando, assim,  na emoção e no encantamento, o processo de construção da personalidade. Nos contos de fadas, o bem e o mal recebem corpo na forma de algumas figuras e de suas ações, já que bem e mal são onipresentes na vida; e as propensões para ambos estão presentes em todo homem (BETTELHEIM,1996).
A leitura, para uns, exerce a representatividade de uma necessidade, enquanto, para outros, serve como teor lúdico. Mas a leitura como terapia tem um papel mais profundo embutido nas palavras como um remédio sem efeitos colaterais. É desta leitura que vou expor a minha opinião para você, leitor. Trata-se do dizer daquilo que a leitura produz em silêncio e do que ela pode ser capaz de promover para o crescimento emocional de qualquer indivíduo: os exilados de qualquer estado ou, ainda, para as realizações imaginárias, para o amadurecimento psíquico e para uma legião de necessitados que se realizam através de leituras específicas.
 No livro a que me refiro, Biblioterapia, abrindo um dos capítulos denominado Ler, curar, iniciando, textualmente, a narração como projeto de “ler para não morrer”, entra em cena a personagem de as Mil e uma Noites, conhecida como Xerazade, a princesa que contava história para escapar da morte. A partir daí, a técnica de biblioterapia ganha um status de verdade necessária, tal como nos contos de fadas.  O texto nos informa que é viável a prática da leitura como terapia em qualquer condição, física ou emocional.
 “O diálogo biblioterapêutico produz uma “passagem dialógica/dialética de um sentido para outro no seio da significação de uma mesma posição pulsional, passagem correlativa à intuição de um espaço de mediação, de transição entre os leitores, ‘espaço tradicional’, como diria Winnicott, espaço de troca no qual a verdade não é posse de nenhum dos pólos presentes, mas no qual ela se certifica surgindo na passagem da passagem de uma a outra via a passagem intermediária que os separa e liga.”[1]
          Para tanto, é necessário perceber que esta não é uma técnica recente na história literária. Já na antiguidade, Aristóteles, discorreu sobre a liberação das emoções como resultante da tragédia; em que a partir do ato de excitamento das emoções, de piedade e medo notava-se um alívio prazeroso, proporcionado pela catarse. Desse modo, vejo na leitura uma porta aberta à criatividade, assim como já fazem os “doutores da alegria” (pequenos grupos de profissionais caracterizados de motivos circenses) que adentram alegres e corajosamente os hospitais e enfermarias pediátricas, levando alegria em seus rostos caracterizados, somente  para subtrair o sorriso de olhares tristes e doentes de crianças. A leitura aqui é mais que uma metáfora e pode ser um gesto, uma mímica, um conto ou uma história qualquer que desperte novas emoções. Esta é uma prática de possibilidade ressignificativa, um instrumento de auxilio e cura para todos aqueles que se encontram internados e por extensão, aos familiares dos pacientes que estão envolvidos no processo de cura. A biblioterapia é uma dessas práticas que entra na vida do indivíduo e deixa uma marca como resposta significante: amenizar o sofrimento com algo prazeroso que nos invada a alma. Ela pode ser utilizada nos asilos, lugar onde os idosos vivem com poucas opções de leitura, provenientes de suas visões já cansadas. Além disso, a técnica será indicada também para internos de qualquer lugar onde haja necessidade de romper com os limites, através do vasto universo que há no mundo das leituras.
 Para o profissional de arteterapia, vejo a leitura, hoje, como uma aliada de grande importância à criatividade; tão importante quanto um pincel, um lápis ou um frasco de tinta. São inegáveis os aspectos da leitura como técnica de reler e rever o lido e o escrito como auxílio de transliteração do texto. Portanto, principalmente para os profissionais da arteterapia, deve-se ter um cuidado na indicação da leitura, cabendo ao terapeuta fazer uma seleção de maneira criteriosa para que o conteúdo a ser oferecido ao indivíduo traga respostas como objeto de criatividade que se pretende alcançar com a criação da técnica. Para que tal atitude tenha sua eficácia, é bom ter o cuidado em levantar o histórico de vida do indivíduo, o que ele está passando naquele momento, qual é a sua história. Este processo remete-nos a uma anamnese que deverá ter, como referência, a essência da leitura textual.  A busca por tratamentos especiais e/ou alternativos, aliados aos tratamentos convencionais estão cada vez mais expostos e competitivos, tal como numa vitrine de ofertas. Entretanto, a proposta deveria ser o bem-estar do paciente; e o que conta, realmente, é a saúde em questão. Lamentavelmente, não é bem assim que a “coisa” funciona; o que acontece não é o que ocorre em todas as esferas da saúde. A biblioterapia surge como uma nova abordagem e uma nova opção de tratamento para todos os casos e  idades, tipos de patologias e situações. Dentro dessa nova modalidade de criatividade, estão hipóteses de vários recursos textuais: leitura silenciosa e oral; interpretação e sentido; dramaticidade gestual entre outras possibilidades.
 A biblioterapia admite a possibilidade de terapia por meio das diversas  leituras de textos: contos de fadas, romances, poesias, peças de teatro, filosofia, ética, religião, arte, história, livros científicos, contos populares e textos literários. Contempla ainda, a leitura de histórias e os comentários adicionais. Propõe práticas de leitura que proporcionem a interpretação do texto teatralizado.  A biblioterapia sustenta um fundamento filosófico e psicológico os quais determinam a identidade dinâmica de como esse processo de identificação entre o leitor e o ouvinte se vale da introjeção e da projeção, partindo aliás, do pressuposto de que toda experiência poética será sempre catártica e de que toda liberação da emoção irá produzir uma reação de alívio da tensão, ao mesmo instante em que acalma a psique com seus princípios de um valor terapêutico.
Percebemos, então, que a função terapêutica da leitura admite a possibilidade de a literatura proporcionar a pacificação das emoções. Retomando, aqui, as lições de Aristóteles, podemos observar que o filósofo analisa a liberação da emoção como uma resultante da tragédia – a catarse. Porém, chamamos à atenção para o tipo de exposição de leitura; o texto a ser lido  para liberar o excitamento das emoções de piedade e medo, terá de passar por uma seleção criteriosa, a fim de proporcionar, então, o alívio prazeroso. Assim, a leitura do texto literário, teria uma função determinante, tanto no leitor quanto no ouvinte, gerando o efeito de placidez, que seria como (remédio) e a literatura, a virtude de ser  o (calmante), a dose certa e sedativa para curar as angústias do dia a dia.
 Desse modo, pode-se afimar que existe uma terapia exercida por meio de livros, uma terapia que recebe o nome específico de biblioterapia, originada de dois termos gregos biblion – livro, e therapeia – tratamento. Admite-se que esse conceito, trata-se de uma técnica de terapia necessária a todos os cidadãos, indistintamente de credo, idade, raça e lugar.
Bibliografia:
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Paz e Terra, 1996. São Paulo. 11ª edição.
SARTRE, Jean-Paul. As Palavras. Difusão Européia do Livro, 1964
OUKNIN, Marc-Alain. Biblioterapia. Edições Loyola. São Paulo, 1996



[1] P. Lekeuche, “Le lest de Szondi, p.326. In Marc- Alain Ouaknin, p.158.