A SIBIPIRUNA:
um dia de
silêncio e luto na Serra
(para nós do bairro Quitandinha)
Professora: Vannda Santana
Hoje, uma bela e
esguia árvore chamada Sibipiruna teve sua morte decretada na agenda de uma
evolução empresarial. Uma árvore, vítima da insensibilidade humana, foi, assim,
brutalmente arrancada pela raiz de sua seiva viva por uma retro-escavadeira assassina que a fez tombar sobre o chão
com seus grandes galhos de verdes folhas ao serem extirpados. E, logo em
seguida, em seu lugar, abriu-se uma enorme cratera onde parece sucumbir um
vazio silenciado, deixado no ar e no espaço. A cratera agora sangra,
literalmente a olhos nus, nos mostrando o tamanho da violência que, sem conta,
sem preço, se processa contra a natureza.
Assistimos a todo
este ato com muito sofrimento e nada do que fizemos, foi mais forte que o
aviltamento. Tentamos reagir para
impedir que a árvore fosse retirada, mas não tínhamos poder superior que pudesse nos representar perante aquele cenário
tão previamente arquitetado. Pedimos, então, a voz e a força da Associação dos
moradores que, prontamente, atendeu a nossa solicitação, se apresentando
dignamente pela pessoa de nossa amiga Liliana que, imediatamente, se dirigiu
até o local. Porém, lá chegando, veio ao seu encontro um cavalheiro, operário
altamente significante, trazendo em suas mãos “uma folha de papel” e apresentou
à nossa amiga com toda a sua finesse. Esta “folha” certificava a autorização à
retirada da árvore. Sem argumentos, nossa representante se retira meio
decepcionada diante do fato consumado. Então, só nos restou a triste sina em
ter que assistir como cúmplices àquilo
que para nós parecia ser um crime ambiental. Leigos que somos até certo ponto em
assuntos ecológicos e de ecossistema, acreditamos que a “folha de papel” tinha
mais valia documental, por aferir valor de autorização ao crime do que a nossa
vontade de fazer prevalecer o belo espetáculo que a Sibipiruna nos reservava para o mês de setembro: um
florescer em ouro. E agora só nos resta assistir
de pé o que não mais poderemos ver, uma vez que a pobre árvore tenha sido derrubada.
Todos nós ficamos um
pouco órfãos com o luto que nos coube sentir, lamentando a cena que ficará para
sempre marcada em nossas memórias. Pois, diante do episódio, nada parecia deter
tamanha fúria da máquina-assassina. Diante do feito, e de posse da frustração
pela ação do homem, nos restou a impotência de nossas vozes ao implorar,
apelando pela vida da árvore, certos de que nada tenha valido perante o fato,
calamos com certeza do sentimento de não
sermos ouvidos, mas certos de termos feito aquilo que nos cabia no momento.
Obrigada Liliana!
Valeu sim o seu empenho a nosso favor. Sabemos que fez mais do que podia ao
exercer como cidadã tal compromisso social. Estamos certos que a tristeza que
nos abate neste momento é um tanto sua também, pois ela tem o caráter da
verdadeira indignação pela invalidez do
significado maior que tinha como objetivo salvar a Sibipiruna. Mas isto não irá
nos calar nem tão pouco nos singularizar. A razão nos diz que seremos justos e
que cumpriremos com os nossos deveres de cidadãos, ainda que nossas atitudes não falem mais alto. Mas
a nossa consciência não dorme e nos ensina defender a vida mesmo quando o
propósito parece ser impossível.
Ficamos com os
ruídos que se podem ouvir agora: a mesma máquina assassina parece (gemer) sem
parar, preparando o solo para um outro “semear” – um pedaço de chão está sendo
burilado para dar lugar ao mais novo comércio de carros.
Mesmo que esse novo espaço, que por si só, já
se contradiz às mais nobres funções ecológicas, pensamos serem os empresários
também filhos e irmãos habitando o mesmo planeta, o mesmo verde da planta, tão
necessários para todos nós. Assim, desse modo, penso que se trocam a seiva e o verde tão
importantes para a vida de homens e pássaros, pelos “futuros pulmões” humanos
com possíveis enfisemas. Em breve, a cratera deixada será um espetaculoso pátio
“colorido” (não de flores) mas repleto de agentes poluentes.
Eis a evolução dos
tempos modernos que chega aos centros urbanos e avança até os confins do
sem-limite e do sem-medir-conseqüências. Isto é bom? Sim, sem dúvida. Mas,
talvez, pudéssemos poupar algumas espécies da natureza de sua extinção tão
abrupta. Não me expresso contra o processo de evolução. Minha indignação se dá
pelo desrespeito que este progresso impõe contra ao ambiente e, notoriamente,
exacerbando a insensibilidade de alguns.
Quero deixar
explicitado neste relato que não tenho nada contra os carros, pois eles são
necessários à vida urbana do cotidiano. E mais ainda, não tenho nada contra os
empresários, pois eles fazem da vida todo esse fluir em movimentos dinâmicos
para gerar mais e mais empregos.
Porém, é meu este lamento, é meu este grito que
silencio. Neste lamento, deságua em meu peito uma tristeza profunda que se faz
notar pela ausência de alguns pássaros que terão de buscar outros abrigos mais
distantes. Este é um silêncio tingido pela bruma fina e fria a qual se faz
encorpar de um branco embaçado que mais parece comungar com aqueles que agora
choram como eu, pelo silêncio cenográfico que se espalha pelo chão e, sem
medida atinge a atmosfera e o espaço
geográfico.
Este é o desenho da
minha dor. Defino aqui o meu vazio; o vazio deixado impunemente e que os meus
olhos tiveram o desprazer de assistir. Lamento, sim, o olhar do bairro e dos
transeuntes que por ali irão passar e não mais hão de ver o deslumbramento de uma
florada em festa. Por último, lamento sim, pelos que ainda irão passar e,
simplesmente, não mais poderão ver e nem mais ouvir o alarido do cantar dos
pássaros na algazarra pelas flores. Lamento pela ausência do néctar das flores
amarelas, pela ausência das borboletas sobrevoando e pousando na minha janela.
Lamento ainda, os dias mais amarelos na falta do sol que somente a Sibipiruna
tão bem sabia representar com sua veste coberta de flores cor de ouro.