quinta-feira, 29 de setembro de 2016

VAZIO ABSOLUTO

“Só esquecerei de  você e seus olhos, quando um pintor pintar o som de uma lágrima caindo” (Chaplin).


O que dizer sobre o pensamento de Chaplin, quando numa singeleza de imagem nos faz questionar a beleza que há nesse devaneio. Subvertendo o pensamento racional e linear, o autor nos propõe a poética da imaginação. Por isso, precisamos imaginar, necessitamos desejar para viver devaneios saudáveis.
O que vem a ser o “vazio absoluto”? Como exemplificar o sentido que está por trás deste par de palavras e como conceituá-lo em seu campo semântico-emocional? Consultando as várias ciências, talvez devêssemos pedir auxílio aos conceitos da Física por associá-lo ao éter, ao campo, ao espaço e à energia. Entretanto, esses conceitos da ciência são limitados porque só se validam no contexto particular ou atrelados a teoria em que são mencionados. Por outro lado, a linguagem embrenha-se em territórios epistêmicos, singularizando sentidos que não são específicos. Contudo, o que se deseja buscar, fala de um conceito humanamente maior que defina o estado da emoção contido na raiz do vocábulo ( no momento em que se escreve), aquilo que se sente e não se tem uma explicação plausível à frase “vazio absoluto”.

Vimos que teremos de recorrer à psicanálise, a fim de encontrar respaldo para um termo que possa adequar sentido mais específico à expressão. Lacan aponta para o termo “Hiância” – expressão que se refere ao “vazio”, vazio que há entre os parênteses, quando não se escreve nada dentro deles: “vazio margeado”, “relativizado pelas bordas”. [Por Extensão]A expressão se dirige ao “vazio” aparentemente subentendido pela linguagem e submetido a uma posse que se refere a um vazio absoluto. Assim, a palavra “absoluto”, em sua comunhão no par “vazio absoluto”, representa para nós (o DAS DING freudiano, literalmente – A COISA), aquilo que não é nomeável e anterior a linguagem, portanto, expressão meramente de suposição conceitual). Desse modo, também não há nenhuma aproximação com a palavra KAOS, (referência grega), a não ser que se tenha a intenção de  (nomear) dar sentido: no principio era o KAOS, no princípio era “A COISA” – um pouco forçado, porém, pode ser uma alusão aproximativa para justificar o termo em questão.

Assim, a palavra HIÂNCIA pode ser definida por um intervalo de vazio significante onde "habita", na gnosiologia lacaniana, a FANTASIA, que é a relação do Sujeito com o Objeto. Esse processo, explicitado por Lacan, ocorre sobre o fundo da HIÂNCIA, entre (between) o significado e o significante onde o Sujeito se vê refletido no vazio de seu desejo por sua ausência significante, pelo qual, ele é pura busca de significação.

Impossível não invocar Aragon pela via de Lacan em Le Fou d"Elsa numa passagem do Seminário XI, onde o poema nos revela “o olhar vazio”, uma “cegueira”. Segundo Lacan, em seu pensamento essencialmente aguçado e sensível, a fantasia seria a matriz psíquica que dá sustentação aos nossos desejos. Com tantos conceitos concebidos, acredito que será bem apropriado ilustrar a hiância através do referido poema que nos remete para o “olhar escópico”, o olhar psicanalítico, por isso, significante. Assim, o texto em questão, atrela-se  ao “vazio” como significante pela ausência do ver e do sentir, pelo desejo, tal como no poema de Aragon, que também se repete pelo “vazio” entre o olho e o olhar.



É em vão que tua imagem chega ao meu encontro
E não me entra onde estou, que mostra-a apenas
Voltando-te para mim só poderias achar
Na parede do meu olhar tua sombra sonhada

Eu sou esse infeliz comparável aos espelhos
Que podem refletir mas que não podem ver
Como eles meu olho é vazio e como eles habitado
Pela ausência de ti que faz sua cegueira[2]


Poderia ainda trazer à tona Merleau-Ponty, quando diz “(...) que suas próprias palavras não encerram o que dizem, que seu sentido transborda a significação imediata ou direta e que, enfim, o poder de se abrirem para o ser está ligado à força da interrogação que as anima.”[3]

Termino este texto sem avançar no que pretendia exercer com maior clareza: falar do “vazio absoluto” de forma simples, mas que pudesse despertar o desejo de imaginar. Desse modo, sem ter o propósito de  inserir campos complexos ao explorar os sentidos do par de palavras que deu origem a esta escrita   – vazio absoluto – restou em mim a certeza de que aqui deixo expresso o desejo de continuar meu devaneio ao imaginar.






[1] https://www.dicio.com.br/hiancia/
[2]  Anamorfose. (Seminário XI, pg 79, Imago Ed., versão de MDMagno, 1964 Fr, 1979 Br).
[3]  Maurice Merleau-Ponty, O VISÍVEL E O INVISÍVEL (trad. José Arthur Giannotti e Armando Mora d’Oliveira). São Paulo: Perspectiva, 1971.