quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A Comunicação poética: o que falar quer dizer?


“O poema quer o Outro, precisa desse Outro, precisa de um parceiro. Ele o procura, adéqua-se a ele. Cada coisa, cada pessoa é um poema que se dirige ao Outro, figura desse Outro.”
(Paul Celan)






Inicio um discurso íntimo enredada no infinito do meu eu. Escrevo como quem necessita do ar para viver. Escrevo, como quem toma um antídoto para uma dor qualquer e não para ser lida na face de um frio papel. Escrevo ao destino os mais enlouquecidos desatinos e, não mais, como uma mensagem que se destina a ser decifrada por um ser desavisado. Escrevo a dor. Se é que é possível descrevê-la – essa alodinia de poeta. Por isso, escrevo sentimentos, como produto da alma. Escrevo como resultado da fala silenciada. Escrevo o grito amordaçado de mil afetos. Escrevo afetos de infinitos íntimos. Escrevo afetada pela falta de afeto que afeta o dizer das relações nas suas formas do não dizer. Escrevo o dizer que, às vezes, nada diz do que deveria dizer. Escrevo.

 Escrevo como quem sangra, acreditando na vida que pulsa nas veias onde circula a força viva da palavra. Escrevo como quem sangra na fala que faísca gemidos do miocárdio da alma. Escrevo como se fosse um surdo que nada pode ouvir daquilo que foi negligenciado aos sentidos neurosensores. Escrevo o Não de um silêncio não interpretado de uma fala que apenas fala para um Outro que, também, não fala nem ouve. Escrevo a sintaxe desmesurada no glamour da sínquise, desconstruindo a expressão no rastro rítmico daquilo que é excessivo. Escrevo a falta da fala, aquela  que nem sabe que por sua falta, a fala cala. Escrevo o fluir de um exercício de fruição de poder que o ato tem e de fazer valer o poder do sim, ao mesmo instante, que se faz valer o poder do não, como força do fracasso. Escrevo a ausência do plasma  que silencia no corpo e nas profundezas da alma a dor da palavra extirpada do Outro que  não é um outro sem mim.  E, sim, um Outro  plasmado da mesma essência, célula e sangue de existência.

Escrevo para esse Outro que vive em mim. Escrevo como quem respira em busca do ar para viver e aspiro ao nada a que a ele se impõe como àquilo que dá à vida o direito de não pode romper o ritmo. Escrevo para tingir o  impossível de se ver no claro-opaco pano de fundo. Escrevo, no escuro palco das incertezas, cenas poderosas que se evadem como metáforas de si mesmas. Escrevo histórias de seres sem voz e sem olhos, oferecendo ao Outro risadas ressecadas. Escrevo a escada da palavra nos degraus da etimologia para alcançar o cerne do poema. Escrevo, pois, para esse Outro que se oculta em meu ser e penso ser  dele o olhar que vejo em mim. Escrevo a existência desse Outro que não se extingue de mim, por mais que de mim se ausente ou fuja.


 Escrevo para esse Outro pedaço clivado de mim e que, por isso mesmo calo, por que  já não é mais preciso falar – ele é  parte forte, é ferida e é clivagem.  E se ainda necessito dessa fala, é porque a poesia não silencia  na lágrima que cai invertida e o que dela, não me isenta enquanto escrevo, transforma-se naquilo que não se vê, não se sabe nem o quê e o que está para nascer ao se escrever. Por isso, escrevo o que se pode sentir de qualquer mal-estar; por isso, escrevo todo bem que a vida dá. Por isso escrevo a força da fala prisioneira perpétua no labirinto subterrâneo. Escrevo com as mesmas palavras o sonho escondido no interior da palavra. Escrevo o que nunca talvez seja lido e que jamais será um escrito de leituras de letras sem sentidos. Escrevo a alegria de ser o que isso possa vir a ser. Escrevo o contentamento que a palavra contém. Escrevo sem querer causar a esse Outro que vive em mim, um espanto; pois ele vive quando palavreia, e vive quando deixa a poesia falar por mim.