Manhã de outono
Por: Vannda Santana
Revisão: Marcia Vital
Numa manhã de um outono tardio, um fog
serrano (quase londrino) passava lá fora veloz e, entre nuvens
brancas e maciças, parecia se
diluir aos poucos. O fenômeno representa quase um prenúncio de uma densa
chuva fina e fria (chuva invernal), cuja
jornada de passagem invade
as brechas de qualquer lugar, de pessoas e coisas. Além de um véu branco pronto
para umedecer a alma de tudo o que
alcança. E não falta nesse cardápio um
forte vento uivante ao registrar suas peripécias por onde passa ao deixar sua
marca similar tal qual a de um fiel
discípulo – o de aprendiz de tufão; mesmo sendo em escala inferior, não
dissipa o terror de sua ameaça – de fazer
gemer fibras de portas e janelas, derrubar árvores e
destelhar casas, gerando uma certa impotência
no silêncio de cada um diante do espetáculo exibido pela natureza.
Assim, os dias se alternam entre
os ruídos e silêncios (nada indeléveis) de sons inusitados. Nesse período do ano, anuncia-se o tempo das
águas revoltas, de chuvas ameaçadoras que prometem despencar montanhas abaixo
carregadas de tudo o que encontrar pela frente. São dias e momentos tenebrosos.
Porém, há também a calmaria de dias infindáveis, de lua e estrelas radiantes com
que os céus vizinhos nos brindam, mesmo que distantes.
Manhã de outono
Pois é. Assim, vive-se uma fantasiosa
percepção de todos os sentidos (bons e ruins) num único instante: ancorando-se
em aguçadas visões de estranhas
pareidolias, que vão muito além de céus
de nuvens negras com seus sinistros cumulonimbus aos céus azuis de
cirrus de cristais com seus desenhos aquarelados. Nesse cenário de intemperes,
a poesia pede licença e um balé musical entra em cena: cortinas
esvoaçantes são vestes no ritmo dos
ventos ao som da Valsa das Flores de
Tchaikovsky. Vibrações minúsculas se
mesclam diante de uma imaginária orquestra – até o replicar de sinos pendurados nas varandas
complementam o espetáculo, obedecendo a batuta dos ventos.
Assim sendo, não devemos chorar por nada que a
vida nos traga ou nos leve. As expressões de viver alguns instantes o pesadelo
dessa observância circunstancial, por vezes, acende o alerta do instinto da
dramaturgia em um de seus momentos: psicológico, dramático e ou artístico, bem
à moda Pessoa. E cada um vive o que
lhe cabe por conveniência, embora exista circunstância em que não há tempo para
escolher, principalmente quando o “depois” chega sem anúncio prévio e resolve
tudo silenciar. E eis aí o silêncio como
significação paradoxal para o ato de perceber e não o de falar; é o de sentir e
não poder exprimir por saber que nem sempre o ser humano é só instinto. A
essência do silêncio abraça o paradoxo e não paralisa o movimento em sentir a proximidade desse “agora”
inexplicável. Assim, apressadamente,
esse agora tem voz e representa o mistério de (um “antes”). Em suma: o agora é a
antecipação pelo medo do “depois”! E
nessa tormenta delirante, surge a pergunta:
o que seria o depois se ele já é
manifestação real no presente? E o agora? O que fazer desse agora, se o agora
não se faz visível, pois se ele vive
além da curva? Claro está que aquilo que
não se vê, por estar longínquo, aparentemente,
repousa no imaginário do existir pela
cópia desbotada do “antes”. Antes? Antes
do quê? Esse antes é o nome precário da
imortalidade a qual se imaginou uma vida
inteira! Mas não se trata de um pessimismo ou uma mera reminiscência daquele
que ingenuamente vislumbra a eternidade pelo viés do passado. O antes, o agora e o depois são
linguagens do silêncio, são vozes do silêncio que prenunciam aquilo que as
lembranças trazem em formas de nostalgias com pinceladas de lamúrias escritas.
Talvez, isso possa significar o ruído das ideias em busca de um ato intelectual
criativo, para dar forma artisticamente ao vazio criado pelo silêncio.
O ato de ser só não significa
estado permanente de solidão. Porém, quando se está só – a observação sobre a
vida ganha relevos distintos e sentidos inusitados: ora, revelando matizes bem
apropriados (com o agora de cada existir) e ora, permitindo a natureza psíquica
revelar o que há em cada ser; e, nesse concílio de formas de pensar, tudo ganha uma outra dimensão. Os aspectos
mais sutis se tornam densos e se elevam às potências inimagináveis de onde
surgem tais manifestações, advindas da natureza externa e interna. Saibam: há um céu límpido e um céu tenebroso
em cada ser. E essa pulsão de vida torna-se variável do antes com permanência efetiva no depois ao mesclar de incertezas o agora.
Assim, desse momento solitário –
tão comum ao escritor, somente as palavras serão capazes de ressoarem no silêncio de onde nasceram,
e, em voz silenciosa, serem hóspedes na escrita. Por isso, desse agora ainda que
banal, porém invulgar, inaugura-se esse
imprint de pensamentos – matéria prima
de tormentos; produtos desvelados e não destinados para um olhar qualquer – mas para o olhar poético que
ainda pode ver aquela estrela distante, quase se apagando, mas que ainda teima em
brilhar, mesmo que nenhum olhar a alcance. Assim, a vida aqui na terra também
marca sua existência luminosa: todos nós vamos perdendo dia após dia um pouco
do nosso brilho sem que ninguém nos alcance.