A semiótica do olhar e suas linguagens: um
recorte no modo de ver para além do visível
Professora: Vannda
Santana
Revisão: Marcia Vital
![]() |
Las Meninas, Diego Velázquez |
“Se eu deixar de ser poeta, morre em mim um pedaço de
existência e, comigo, morre de certo modo, (o sentir como forma de ver); pois para
o olhar do poeta, o alvo é tudo aquilo que ele vê e sente.”
Vannda Santana (inédito, no prelo)
“A ficção consiste não em fazer ver o
invisível, mas em fazer ver até que ponto é invisível a invisibilidade do
visível”.
M. Foucault

Admirar uma obra de arte é
sempre uma experiência estética e agradável; uma prática inovadora que exige um
constante exercício para um olhar especial. A diferença fundamental consiste
no modo de olhar e no modo de ver, um
processo puramente físico, mecânico, perante as coisas vistas do mundo que nos
rodeia. Esse olhar exige um leitor que saiba ler e ver os critérios que
deverão passar por essa “lente” tão superior, capaz de revelar nesta observação
a expansão de uma percepção aguçada do mundo sensível, mostrando relevâncias
pictóricas para além do visível.
Portanto,
é nesse Ver e é nesse Olhar que
se fundamentam as diferentes formas de ver, diante das funções pelas quais se
manifestam os sentidos de significação: há um olhar que simplesmente vê e nada
registra e um outro debruçado em emoções sobre o prisma daquilo que, com
sentimentos, pode conduzi-lo ao ato de refletir.
Essas são algumas das tarefas intrínsecas desse
órgão foto‑excitável, fotorreceptor e sensorial, tudo executado ao mesmo tempo,
o qual se nutre pela sensibilidade da luz por ser fotossensível. E o olhar é uma janela translúcida pronta
para transmitir e focalizar a luz dentro
do olho. Não é por acaso que se diz que o olho é a janela da alma por captar e suscitar emoções. Mas existe também uma função no olhar
que se propõe divergir de outras perceptivas; e sua finalidade é a de discernir e de interpretar ao ser filtrada na
memória diante das coisas capitadas vistas no mundo externo.
Sobre essas formas de ver e olhar, também há
algumas restrições de acordo com cada
cultura. Por mais ampla que seja a forma do olhar, há um limite cultural
impondo sua doutrina específica. É nesse limite que se enquadra a prática da
observação, dos sentimentos, do conhecimento e da cultura geral de cada povo. Daí
por diante, conclui-se que o olhar tem muito mais a dizer daquilo que vê sobre
o alvo observado, que pela capacidade puramente intelectual. O olhar que se destina ver aquilo que está exposto
dialoga com suas pré-condições emocionais. Nem sempre o foco se abre para o
alvo de uma mesma forma; para além do olhar, resta uma indagação: quantas são
as leituras direcionadas sobre o mesmo matiz em exposição?
Não há leis nem
regras que possam subordinar os modos de olhar ou ver um objeto de arte. Seria
possível afirmar que cada pessoa tem um limite para cada visão, mas não para o
limite imposto pelo defeito e, sim, pelo limite perceptivo, o que “intui”. Essa
capacidade intuitiva do sujeito amplia a forma de ver com as cores que envolvem
o sentir. O olho humano não está sozinho nessa caprichosa arquitetura no
modo de sentir com o olhar.
Por isso,
pode-se dizer que o olho físico esconde por trás do olhar muitas incógnitas e
muitos mistérios: olhos que pensam,
olhos que sorriem, olhos que choram. Podemos até arriscar alguns
devaneios ao imaginar: o que pensa aquele olhar distraído e
que mensagem a pintura expressa quer falar àquele olhar que a vê?
A
semiótica do olhar não busca encontrar definições prontas para as questões
fisiológicas do olhar. Este esboço, nada
mais é do que suscitar uma reflexão sobre
a Fenomenologia da Percepção (2006)[1]:
sobre o que o olho pode ser capaz de ler, ver, sentir e falar, diante do objeto
observado. Essa releitura do ver, sob a ótica do autor, levou-nos a
compreender o fenômeno do aparelho perceptivo, para além de um olhar. Visto que
há vários olhares: olhar de contemplação, olhar perdido que vaga na imensidão, olhar de desprezo, de conquista, do safo, olhar de esperteza, do moribundo e o
olhar de ironia que tanto valor empresta à literatura.
O objeto como fenômeno, nesse contexto do
olhar, emerge em especial diante da obra de arte, capturando as várias formas e
os sentidos refletidos no olhar do objeto a ser observado, assim como, as
várias formas do observador ao observar o objeto. Podemos ainda dizer que o
objeto (obra de arte) sujeita-se ao enigma do espectador “ o que se quer ver”,
pois há sempre um modo de sentir aquilo
que o olho quer ver. Assim, há sempre
uma verossimilhança e uma mirabilia
para cada olhar que “olha” e um olhar para cada individuo. Pois, assim sendo,
por trás de cada olhar existe um investimento para cada olho que vê em função
de sua cultura.
Tomemos como releitura de análise o quadro de Velázquez -
As meninas, apenas como proposta de observação do modo de como o artista vê a
realidade – ao mesmo instante, como o observador vê o mundo que o rodeia. A Fenomenologia da Percepção no capítulo
sobre O Corpo, Merleau-Ponty afirma
que: Ver é entrar em um universo de seres que se mostram. Talvez, esses olhares não os definam ao
representar aquilo que vêem, mas ainda assim, como querem ver. O quadro a que
nos referimos é uma pintura de 1656 do pintor Diego Velázquez, principal
artista do Século de Ouro Espanhol. A obra de proporção gigantesca do estilo
Barroco é considerada uma das mais
importantes da História da Arte e
trata-se de uma composição complexa vastamente comentada por vários
observadores. O quadro As Meninas levanta várias questões e deixa algumas
indagações sobre o que é realidade e o que poderia ser ilusão, criando dúvidas
entre o observador e as figuras ali representadas. Há comentários de que
Velázquez “pintava o ar” por ser ele um profundo pesquisador de óptica, tendo
debruçado sobre livros específicos onde foi buscar conhecimentos que puderam
alicerçar sua prática na conquista de conseguir
melhor resultado entre as distâncias, luz e outros agentes que exerciam sobre
as formas e as cores em sua pintura.
Diante do
exposto, fica a proposta para um desafio no futuro: uma análise e um debruçar
diante do enigma que o olhar oferece como estudo da fenomenologia na observação
da obra de arte. E assim, enredar pelo caminho subjetivo a qual a percepção de
Merleau-Ponty nos convida. Consciente de que a percepção vai muito além dos
sentidos, pois, através dela, tem-se um corpo e uma fisiologia que habitam todos
os olhares com suas subvertidas formas de ver. Assim, sendo, a
palheta está para a pintura do artista, assim como o sentido se predispõe a
subverter o olhar que olha o objeto.
Desses olhares, ficaram em mim profundas
indagações quanto às dimensões da semiótica e do olhar. Aqui neste ensaio, não
foi possível esgotar seu “todo” para alcançar o objeto da escrita. Porém, o desejo
maior se enquadra numa certeza de ter lançado dúvidas que possam ressoar como
âncora para uma posterior análise. Assim, objetiva-se continuar a viagem nessa
temática sedutora que a semiótica nos provoca ao navegar por essas profundezas
da fenomenologia. Portanto, continuar a esmiuçar o olhar a partir das ideias:
investigar os sentidos e não somente aquilo que se vê, mas o que se pode sentir
com o objeto visto.