Revisitando o espaço imaginário
Autor: Vannda Santana
Revisão: Marcia Vital
As imagens, os
símbolos e os mitos não são criações irresponsáveis da psique; elas respondem a
uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas modalidades do
ser.
Mircea Eliade
Pois
é. Em tempos tão sombrios sentimos a imaginação escassear. Por mais que
tenhamos a consciência de nosso corpo
físico e de tudo que nele habita, ainda assim
nos falta a compreensão da coisa principal:
ação. Por isso mesmo revisitei meus espaços internos e externos à
procura de fazer algo que pudesse incentivar movimentos de ideias adormecidas
para espantar os fantasmas guardados em alguma gaveta imaginária.
Então,
lembrei-me de um livro do filósofo G. Bachelard - A Poética do Espaço, onde o autor faz uma análise de forma
criteriosa dos espaços e lugares, realçando o campo da memória como lugar de
criação e reflexão das imagens guardadas ao longo da existência. Daí então,
decidi revisitar também os meus próprios porões em busca de algo que trouxesse
luz aos pensamentos (no momento atual) bafejados pela desordem de dias tão sombrios,
sem criatividade e sem perspectiva de um amanhã menos triste, resta-me então,
abrir as gavetas do meu palimpsesto de lembranças felizes.
Sendo
assim, vamos viajar um pouco na obra citada. A Poética do Espaço nos leva
para o lugar da imensidão do espaço íntimo, lugar da imaginação, do poético, da fantasia e do
sonho, mas também da solidão. Nas palavras do autor: Quando a grande solidão do homem se aprofunda, as duas imensidões se
tocam, se confundem. Através do viés dessa realidade o espaço
físico ganha uma dimensão histórica, elegendo imagens que transcendem a
materialidade de casa, abrigo, porão, sótão, cabana, armários e gavetas. As
representações simbólicas vão além da preservação das lembranças guardadas em
nossas memórias como o lugar dos maiores registros de toda uma vida: dos medos,
da insegurança, dos fracassos, mas também, lugar das vitórias onde reinam as fantasias
e os sonhos e os mais ardentes desejos de conquistas. E é nesse mundo onírico simbólico de castelos
e sonhos que vivem príncipes e fadas, heróis e bruxas como ícones de representação
da existência humana, metáforas necessárias para vivenciar o enfrentamento com
a realidade e suas intranquilidades.
A
obra configura-se como um tratado poético e as imagens, a partir de diferentes
espaços constituídos, são extremamente recorrentes na literatura, acendendo luz
à imaginação.
Essas
imagens emprestam corpo simbólico ao lugar onde permanecem guardadas por longo
tempo, quer seja num sótão ou num porão,
não importa; elas são a representação da realidade e podem ressurgir na memória
como fuga ou lugar de refúgio e podemos compreender essa imagem que surge das
profundezas da memória como espaço sagrado, espaço da imaginação, da emoção e
dos sentimentos, espaço da arte preservado pelo tempo passado, onde subjazem os
devaneios.
Assim,
as imagens se revestem de boas ou más lembranças e adquirem um papel principal como
arquétipo de uma peripécia qualquer e é essa a função do espaço poético na obra
de Gaston Bachelard. A preservação do
abrigo, do espaço feliz ou de uma percepção de proteção contra todos os perigos.
Daí, surgem como exaltação as boas
lembranças. Bachelard foi um adepto da arte pela arte, do entregar-se
completamente ao momento da leitura. Nas palavras dele, a arte é “uma
reduplicação da vida, uma espécie de emulação nas surpresas que excitam a nossa
consciência e a impedem de cair no sono”.
Aos
amigos leitores, perdoem-me se não pude presenteá-los com uma leitura de
fruição. Pois no exilio dos meus dias, nenhuma imaginação feliz veio visitar-me
como produto de criatividade. Perdoem-me se nenhuma leitura foi capaz de
seduzir-me ao encanto de um novo poema ou um texto que pudesse ocupar o espaço
interno de cada leitor. E é aqui que me encontro à margem da história
vigente e me vejo tão somente com meus escassos pensamentos que ora vivem em turbulências. Mas certa estou de que tudo vai
passar, creiam.
Por
enquanto, apresento este texto atrelado à A Poética do Espaço de G. Bachelard.
Mas deixo um convite muito especial: leiam o Livro A Poética do Espaço para uma verdadeira viagem de reflexão
fenomenológica.
Referência:
BACHELARD, G. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993