sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A palavra na palavra



 

Por: Vannda Santana

Revisão de texto: Márcia Vital

 

"O poema quer o Outro,

 precisa desse Outro,

precisa de um parceiro.

Ele o procura, adequa-se a ele.
Cada coisa,

 cada pessoa

é um poema

que se dirige ao Outro,

 figura desse Outro."

 

Paul Celan[1]

 

 A dor dorme com as palavras - A poesia de Paul Celan nos territórios do indizível e da catástrofe – Um livro cujo tema muito me impressionou e, nele, um “viajar” por caminhos "ínvios", caminhos não muito transitáveis. Porém, quem por estes caminhos optar seguir, com certeza, sentirá a firme presença de Mariana Camilo, que com suas sábias palavras sinaliza e conduz o leitor por terras tão distantes e tão estranhas.

 

  A autora afirma que sua análise partiu da investigação do entrelaçamento entre a experiência e a escritura, levando-se em conta a soma do fato de se tratar de um autor que, de maneira trágica, põe fim à própria vida. Ou seja, dentro da poesia de um dos grandes poetas da época havia o conflito como linguagem do paradoxo da existência.

 

A temática de representabilidade da (in)dizibilidade do trauma vivido pelo poeta Celan, depois de Auschwitz, processa um outro dizer, um reinventar o alemão poético diante da própria dor, um recurso sobre o qual a autora expõem seus instrumentos conceituais, apoiando-se nos conceitos da psicanálise. O livro discorre sob o olhar atento de Mariana Camilo e nele destacam-se o conflito dos judeus e a relação do poeta Pau Celan com sua escrita em língua alemã. A autora afirma, ainda, que somente através da escrita como instrumento, pode-se perceber o esforço de se representar o indizível do horror dos campos de concentração.

 

A dor dorme com as palavras  nos aponta um encontro com a palavra – com a palavra da poesia – na poética de Paul Celan. O livro apresenta uma via de mão dupla, onde a autora revela uma linguagem de escritura poética ao lado da história do homem e seu tempo.

 

A semanticidade que evoca o momento originário do tema -  A dor dorme com as palavras – cuja justificativa se formula no subtítulo – A poesia de Paul Celan nos territórios do indizível e da catástrofe, faz da temática o seu intrincado propósito entre a perceptível escritura, a história e a experiência subjetiva, para se inscrever além dos fatos que agregam a singularidade da vida do poeta com seus aspectos mais recorrentes em torno da travessia do século xx e o horror do holocausto com o consagrado poema  ”Todesfuge” (Fuga da morte). Porque não dizer que neste poema já estaria implícita uma das (im)possibilidades da leitura, (CAMILO, p.29).

 

Mariana Camilo retrata o paradoxo da “morte” ao lado do “belo”, onde a palavra se faz testemunhal ao exibir-se como poesia; onde a dor em seus gemidos se faz ouvir mesmo em silêncio; onde a poesia se mostra como arte ao apontar o caos. A poesia celaniana apresenta-se para nós pelas vias das mãos da autora, através de uma requintada linguagem e com elementos que transcendem à própria contradição da dor no mais íntimo do ser da poesia e da realidade e, como tal, se inserem no ser íntimo da poesia. Assim, o ser da palavra passa a ser núcleo da poesia e a escrita se oferece como ser da dor no núcleo da história.

 

O tempo histórico da poesia celaniana guarda um significado com seu nexo íntimo para além do texto, para além de uma constelação de figuras com o seu pathus (BOSI, 2004), fonte de sofrimento e dor como tecido da escritura do texto e trama da linguagem em questão, pela erudição contida; o que nos faz debruçar sobre as palavras e sua etimologia.

 

 Desse modo e, assim, seduzida pela arte do dizer, não pude silenciar neste escrito A dor dorme com as palavras. Aproveito o momento para convidar você, leitor, a adentrar a obra de Paul Celan pela escritura de Mariana Camilo: uma sedução que se dá durante todo o percurso da escrita e, conduzidos por palavras, façamos, todos, uma  outra viagem - com as palavras.

 

E como disse Cecília Meireles, As palavras estão aí, porém minha alma sabe mais (...). Nesse roteiro, para além do retorno à história de Auschwitz, encontraremos a  poesia de Celan, seria uma fusão entre a escrita e a escritura, poderíamos dizer - uma história dentro da história. Na fala de Mariana Camilo “A escrita, como vimos, seria tida comumente como um instrumento por meio do qual se pode perceber o esforço em representar o indizível do horror dos campos de concentração.” Poderíamos dizer, então, que a escrita poética de Celan é uma invocação à arte como processo de libertar a dor de seu aprisionamento psíquico (recurso do dizer) e que surge como resultado da imagem histórica; marca expressa no fazer poético, um imprint do terror deflagrando o sofrimento inquietante que se manifesta em nome da própria dor que faz do homem o poeta. Ou seja, nessa fusão do ser da dor e da arte, ressurge o ser da história na poesia; uma escrita da história do silêncio que se funde no ser do grito que já não mais poderá ser contido e, assim, se  revelar na poética de Paul Celan que, hoje, entre nós, se faz ecoar.

 

A dor dorme com as palavras, assim, se esboça sobre a poesia celaniana; o livro é parte da história do homem, da sociedade e do mundo e, nele, ouvimos, nitidamente, esse grito do silêncio ser rompido por uma poesia absolutamente aporética.  

 

Para terminar, gostaria de expressar minha admiração a Mariana Camilo de Oliveira por esta belíssima obra.

 




[1] Arte Poética: O Meridiano e Outros textos. Editora Cotovia, 1996 – Tradutor: João Barrento e Vanessa Milheiro.
 

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