Por: Vannda Santana
Revisão de texto: Márcia Vital
"O poema quer o
Outro,

precisa desse Outro,
precisa de um parceiro.
Ele o procura, adequa-se a ele.
Cada coisa,
Cada coisa,
cada pessoa
é um poema
que se dirige ao Outro,
figura desse Outro."
Paul Celan[1]
A dor dorme com as
palavras -
A poesia de Paul Celan nos territórios do indizível e da catástrofe – Um livro cujo
tema muito me impressionou e, nele, um “viajar” por caminhos
"ínvios", caminhos não muito transitáveis. Porém, quem por estes
caminhos optar seguir, com certeza, sentirá a firme presença de Mariana Camilo,
que com suas sábias palavras sinaliza e conduz o leitor por terras tão
distantes e tão estranhas.
A autora afirma que sua análise partiu da
investigação do entrelaçamento entre a experiência e a escritura, levando-se em
conta a soma do fato de se tratar de um autor que, de maneira trágica, põe fim
à própria vida. Ou seja, dentro da poesia de um dos grandes poetas da época
havia o conflito como linguagem do paradoxo da existência.
A temática de representabilidade da (in)dizibilidade
do trauma vivido pelo poeta Celan, depois de Auschwitz, processa um outro
dizer, um reinventar o alemão poético diante da própria dor, um recurso sobre o
qual a autora expõem seus instrumentos conceituais, apoiando-se nos conceitos
da psicanálise. O livro discorre sob o olhar atento de Mariana Camilo e nele destacam-se
o conflito dos judeus e a relação do poeta Pau Celan com sua escrita em língua
alemã. A autora afirma, ainda, que somente através da escrita como instrumento,
pode-se perceber o esforço de se representar o indizível do horror dos campos
de concentração.
A dor
dorme com as palavras nos aponta um encontro com a palavra – com a
palavra da poesia – na poética de Paul Celan. O livro apresenta uma via de mão
dupla, onde a autora revela uma linguagem de escritura poética ao lado da
história do homem e seu tempo.
A semanticidade que evoca o momento
originário do tema - A dor dorme com as palavras – cuja
justificativa se formula no subtítulo – A
poesia de Paul Celan nos territórios do indizível e da catástrofe, faz da
temática o seu intrincado propósito entre a perceptível escritura, a história e
a experiência subjetiva, para se inscrever além dos fatos que agregam a
singularidade da vida do poeta com seus aspectos mais recorrentes em torno da
travessia do século xx e o horror do holocausto com o consagrado poema ”Todesfuge” (Fuga da morte). Porque não dizer
que neste poema já estaria implícita uma das
(im)possibilidades da leitura, (CAMILO, p.29).
Mariana Camilo retrata o paradoxo da “morte” ao
lado do “belo”, onde a palavra se faz testemunhal ao exibir-se como poesia;
onde a dor em seus gemidos se faz
ouvir mesmo em silêncio; onde a poesia se mostra como arte ao apontar o caos. A
poesia celaniana apresenta-se para nós pelas vias das mãos da autora, através
de uma requintada linguagem e com elementos que transcendem à própria
contradição da dor no mais íntimo do ser da poesia e da realidade e, como tal, se
inserem no ser íntimo da poesia. Assim, o ser da palavra passa a ser núcleo da
poesia e a escrita se oferece como ser da dor no núcleo da história.
O tempo histórico da poesia celaniana guarda
um significado com seu nexo íntimo para além do texto, para além de uma
constelação de figuras com o seu pathus (BOSI,
2004), fonte de sofrimento e dor como tecido da escritura do texto e trama da
linguagem em questão, pela erudição contida; o que nos faz debruçar sobre
as palavras e sua etimologia.
Desse modo e, assim, seduzida pela
arte do dizer, não pude silenciar neste escrito A dor dorme com as palavras. Aproveito o momento para convidar
você, leitor, a adentrar a obra de Paul Celan pela escritura de Mariana Camilo:
uma sedução que se dá durante todo o percurso da escrita e, conduzidos por palavras,
façamos, todos, uma outra viagem - com as palavras.
E como disse Cecília Meireles, As palavras estão aí, porém minha alma
sabe mais (...). Nesse roteiro, para além
do retorno à história de Auschwitz, encontraremos
a poesia de Celan, seria uma fusão entre a escrita e a escritura,
poderíamos dizer - uma história dentro da história. Na fala de Mariana Camilo “A escrita, como vimos, seria tida comumente
como um instrumento por meio do qual se pode perceber o esforço em representar
o indizível do horror dos campos de concentração.” Poderíamos dizer, então,
que a escrita poética de Celan é uma invocação à arte como processo de libertar
a dor de seu aprisionamento psíquico (recurso do dizer) e que surge como
resultado da imagem histórica; marca expressa no fazer poético, um imprint do terror deflagrando o
sofrimento inquietante que se manifesta em nome da própria dor que faz do homem
o poeta. Ou seja, nessa fusão do ser da dor e da
arte, ressurge o ser da história na poesia; uma escrita da história do
silêncio que se funde no ser do grito que já não mais poderá ser contido e,
assim, se revelar na poética de
Paul Celan que, hoje, entre nós, se faz ecoar.
A dor
dorme com as palavras, assim, se esboça sobre a poesia celaniana; o livro
é parte da história do homem, da sociedade e do mundo e, nele, ouvimos,
nitidamente, esse grito do silêncio ser rompido por uma poesia absolutamente aporética.
Para terminar, gostaria de expressar minha
admiração a Mariana Camilo de Oliveira por esta belíssima obra.
[1] Arte Poética: O Meridiano e Outros textos. Editora
Cotovia, 1996 – Tradutor: João Barrento e Vanessa Milheiro.
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