Por: Vannda Santana
Revisão: Leo Bárbara
10/10/2009
Esta é uma cena comum no cotidiano da sociedade brasileira.
Certo dia, descia a
Avenida Henrique Dodsworth no sentido Lagoa à Copacabana e deparei-me com uma
cena, aparentemente comum, tão comum, que ninguém se deu conta do que estava
acontecendo ou então, não quiseram “participar” da cena de agressão que sofria uma
jovem adolescente. Essa jovem estava sendo assaltada e nenhum dos passantes que
por ali transitavam não tiveram manifestação de apoio ou o desejo de ajudá-la. Então,
gritei, pedi socorro, fiz sinal para os carros que passavam em disparada e
nada. Muito triste. Ninguém se comove mais com coisas assim desse tipo: assalto
ou agressão. Atos como esses, já não causam espanto, virou banalidade ou fato
comum. Porém, tal como os demais que por ali passavam e nada fizeram para
defender a jovem moça, eu também, fiquei ali, inerte, sem ação por algum tempo.
Depois do episódio passado, veio o pânico e a reflexão. Pensei comigo: que
situação abominável!... Estamos cada vez mais sujeitos a todos os tipos de reações:
medo e uma reação de inércia. Sobra em cada um de nós a indignação que nos faz
refletir sobre a situação de descaso e o abandono em que se encontra o nosso
Estado, deixando-nos vulneráveis e a terrível sensação de impotência acompanhada de revolta.
Acompanhe comigo a
cena do assalto: o assaltante era um menino de aproximadamente uns quinze anos.
Tinha aparência de maus tratos e uma ligeireza sem escrúpulos. A semelhança
física não fazia jus às características de grandes habilidades com que ele revirava
os pertences daquela jovem. O larápio e ligeiro como os ratos de bueiros, não demorou e logo desapareceu. O menino tinha
nas mãos um caco de vidro como arma que o fez garantir todo episódio, dominando
a situação enquanto tomava da jovem a mochila que estava presa nas costas e
arrancando tudo que havia dentro dela. Pasmem, senhores, com a reação de ódio
do menino, ao constatar que ali só havia livros e cadernos. A vítima era uma estudante e aparentava
ter a mesma idade do bandido. A diferença entre ambos é que ela voltava de um
curso com sua mochila nas costa cheia de materiais didáticos, exercendo sua
cidadania, estudando e levando a sério a sua vida com dignidade rumo ao futuro.
Enquanto isso, lamentavelmente, cresce
sem controle em todo país a marginalidade. Quero lembrá-los de que a data do
acontecido se passou num dia de sábado à tarde e, que, para muitos, seria um
dia de descanso, de curtir uma boa praia, por que não? Porém, para aquela
jovem, que pensava ser aquele dia, apenas um dia a mais para seus estudos, teve
de atribuir esse acontecimento traumático em sua jornada, somando surpresas
desagradáveis. Enquanto para o ladrãozinho, esse dia era um dia a mais na sua
rotina de bandido solto com total liberdade para roubar e ou até matar se fosse
o caso, qualquer um que cruzasse seu caminho: estudantes, trabalhadores,
pessoas honestas (que pagam impostos) além de idosos que por ali passassem. O
sábado do bandido tem rotina e motivo garantido: a tocaia, o espreitar a presa
e surrupiar tudo que puder custe o que custar.
Na cena dramática do
cidadão comum, um outro grande perigo está explícito: na hora de abrir a bolsa
e nela só haver bens pedagógicos, o risco de sair ileso desse episódio será quase
mínimo.
Queridos leitores, vejam que ironia, assisti
ao assalto mas não fiquei inerte ao ataque daquele menino-monstro com tais
atitudes: fui para a margem da rua e sinalizava parar os carros que passavam
velozes pela avenida, (eles, apenas, desviavam de mim), resolvi ir para o meio
da rua para chamar a atenção, já que ninguém parava, gritei, esbravejei, fiz
sinal de pare por favor e quase me
atirei na frente de um veículo que parou mais adiante e com o carro ainda em movimento,
adentrei falando o que estava acontecendo; eram eles dois jovens e resolveram
ir comigo até a uma cabine da polícia militar que ficava bem próximo dali. Lá
chegando, falamos do que estava acontecendo e pedimos que se fossem rápidos,
talvez desse tempo de pegar o bandido. Os policiais ouviram e perceberam que se
tratava de um assalto. Nos dispensaram dizendo que iria tomar as devidas providências.
Os dois rapazes me olharam sensibilizados e demonstraram sentir a mesma
indignação que me assolava naquele instante. A atitude do policial demonstrava um certo
descaso com a situação, (coisa comum) no cotidiano das grandes metrópoles,
porém, aos meus olhos, havia mais que descaso, havia um compromisso com a ação
do bandido pela demora, pelo desinteresse e, sem falar nada, o policial se
retirou, deixando escoar o tempo naquele compasso frouxo de suas pisadas,
seguindo em direção ao que me parecia ser um sistema de comunicação, pois ali
havia um telefone. Então, pensei: ele vai acionar uma patrulha que esteja nas
imediações. Conclusão errônea. Esperei por alguns segundos o retorno do
policial e ele não voltou. Como não houve solução de socorro imediato por parte
daqueles que pensamos ser: proteção e
justiça, por assim, cumprirem as funções que as Leis determinam. Saí dali
em direção à minha casa, levando na alma um gosto amargo de decepção. Caminhei
lentamente, pensando que o tempo já deveria ter arranjado uma solução para aquela
jovem, tão jovem e vítima do arsenal
de violência urbana: vilipendiada, atacada, molestada e sem defesa contra os
gatunos do dia a dia.
O pouco tempo que permaneci ali à espera de
uma solução, a qual não aconteceu e, ainda, em meio ao choque, apenas uma
constatação se fazia presente para o tamanho da frustração: a certeza de
estarmos abandonados à própria sorte.
Quanto ao descaso do policial, não sei o que
dizer e como argumentar. A sensação que tenho é que tudo parece fazer parte de
um “jogo”, onde quem perde é o povo e o cidadão do bem.
Há um modelo falido
de promessas governamentais. Mas há um modelo novinho em folha de novos
políticos, com novos discursos, novos até na idade. Porém, esses novos modelos,
não passam de cópias e seguem o mesmo
padrão de todos os órgãos do governo e do poder público; aquele do dinheiro na (cueca),
na (meia), na (mala) repassam a garantia da continuidade e, também a qualidade da espécie humana: um clichê na
genética social dos governantes e políticos de todas as épocas e idades.
E quanto à proteção e à segurança da
sociedade? E o medo que nos assola? Estamos numa clausura, trancados em prédios
e cada vez mais sem liberdade. Mas o grande recado já está dado pelos
governantes corruptos: a população que se dane. A Zona Sul do Rio de Janeiro é
uma vergonha sem medida: sujeira para todo lado e violência urbana sem limites.
A população está cada vez mais encolhida: ficando doente por entre as grades, acuada com seus míseros
salários de aposentados. Por tudo isso, ficam-se
prisioneiros de um país desigual. Enquanto lá do lado de fora, miseráveis
anátemas tomam conta das calçadas, de ruas e praças, dos bairros e nada
acontece com (eles), ao contrário, ficamos mais “presos”. Porém, só nos
cabe perceber quão duro é a certeza de
que nenhuma força eficaz, por parte de uma política ostensiva, agindo em nosso
favor, pudesse fazer uma ação que nos resguardassem da bandidagem em seus latrocínios
e violências.
Daí, a pergunta: até
quando vamos ter de conviver com a violência e a falta de administração do
poder público? Confesso que o episódio citado aqui, não é e nem se trata de uma
cena isolada. A televisão mostra com
detalhes os crimes acontecidos no dia a dia, graças ao serviço do jornalismo
investigativo e nada é feito para dar um basta à criminalidade que avança sem
controle pelas ruas da cidade.
Por outro lado, será
que devemos nos conformar com os resultados das várias patologias que se
manifestam numa crescente em função do medo? Medos como fobias e síndromes de pânico
sendo gerados por motivos indescritíveis de violência urbana?. Além do panorama
da violência, deflagram-se a desesperança e a descrença governamental por saber
que teremos de conviver com o caos urbano aparentemente indefinido. Por outro
lado, temos também de passar atestados de imbecis por votarmos nas promessas de
falsas mudanças. E o que permanece na história? Uma polícia sem força para agir;
um governo sem caráter e um baita acervo-polivalente de políticos mais que
corruptos, com ações crescentes e cada vez mais ávidos.
Retomo aqui algumas perguntas:
quando a sociedade irá acordar desse sono doente para gritar por um “herem”?.
Quando iremos nos unir para dar um basta a tudo que nos faz adoecer e até
culminar com perdas valiosas, até de nossa identidade? Quando será que teremos a
coragem de fazer valer o significado da palavra "anátema"?
Anátema. Palavra equivalente a
"herem", empreguei-a invocando
seu último significado bíblico, uma
derivação da palavra "haram" a qual significa "cortar
fora", "separar", "amaldiçoar", indicando que aquilo
que foi amaldiçoado ou condenado deve ser cortado ou exterminado, seja uma
pessoa ou um objeto.
Quero deixar claro
aos meus amigos leitores que este relato é mais que um desabafo. Afirmo ser uma
pessoa comum entre os milhões de brasileiros sofrendo os acontecimentos da má
administração pública e, desse modo, estarão sofrendo como eu do mesmo mau. Para
maior clareza, o significado da palavra "anátema" que a empreguei aqui,
encontra-se em Deuteronômio (7, 26) e lá diz: "Não introduzirás em tua casa coisa alguma abominável, porque serias
como ela, votado ao anátema". Também podemos constatar que no livro de
Judith (cap.16, v. 23) o termo foi consagrado a morte de criminosos e teve seu
sentido ampliado para: odioso e réprobo, significando objetos ou coisas detestáveis.
Desse modo, a palavra “anátema” era igualmente empregada para aquilo que
causasse vergonha, desprezo e desrespeito ao ser humano ou à sociedade.
Por esse motivo, tomei a palavra anátema por
empréstimo para ampliar a força de seu significado perante a significação de um
sentido de ordem a qualquer custo ainda, que, seja esse custo, o custo da própria
vida. Assim, a Bíblia apresenta o deuteronomista de Jos como herói e fiel
cumpridor desse mandamento (6,8.2.26; 9; 10,28ss;11,11ss. 20s). Portanto, em anatematizar
com a expressão de sentido equivalente a exterminar (...) motivo religioso.
(Dicionário Enciclopédico da Bíblia, p.70). Não sou religiosa, sou pesquisadora
com desejo de ver prosperar o BEM.
Se a base da justiça pudesse rever os
primórdios do respeito humano no que se fundamenta a religião escrita na
bíblia, penso que a (justiça) deveria usar do mesmo antídoto extraído da
própria violência, e, por conseguinte, não seria pecado exterminar um mal para
que esse pudesse ser contido, não permitindo assim, a derivação para o mal
social sem limite. Desse modo, como fez Judith, ao expor a cabeça do criminoso tal
como era executada pela prática bíblica, talvez, pudéssemos colocar às vistas
públicas as armas e os espólios dos criminoso de nosso tempo. Com certeza,
teríamos o basta.
É dessa origem que provém a palavra "Herem" derivada da palavra
"haram" a qual significa "cortar fora",
"separar", "amaldiçoar", indicando que aquilo que foi
amaldiçoado ou condenado deve ser
cortado ou exterminado, passando a significar algo odioso, execrável, objeto de
abominação pública.
Desse modo, termino
aqui meu desabafo. Mas não concluo a
insatisfação de ser cidadã num país onde o desrespeito público já se tornou uma
constante. E nem posso realizar minha catarse
numa anátema. Apenas acredito que o que restou de consciência humana do
massacre que sofre a sociedade, resta-nos ainda, o reflexo de imagens impressas
de um sangrento e colorido caos urbano, que em nós se estampa, oxidando nossas vidas e impedindo-nos de outras
aspirações.
E não por acaso muda-se o olhar assustado da
sociedade sobre a sociedade que ainda se interroga: por que o crime ainda
perpetua a passos largos? E a resposta surge em meio aos discursos desgastados:
não, não se preocupem - tudo está sobre controle.
Esse olhar de hoje que
se esgueira pelas frestas das grades ou pelas brechas das janelas em busca de
paisagens perdidas, cata migalhas ressequidas de certezas de estarmos vivendo
uma história a qual o medo é a sobra como refúgio. Ainda que haja certezas de que não haverá “anátemas” de
justiça, uma nova ORDEM há de surgir.