segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A Hierarquia de Necessidades ou a Pirâmide de Maslow

A Hierarquia de Necessidades ou a Pirâmide de Maslow

Em tempos modernos, no mundo atual e contemporâneo, falar de humanidade nos parece meio fora de propósito e ainda nos remete a um tempo remoto onde as boas ações ficaram opacas na memória do passado. Daí, a preocupação com o próximo deixou de existir, transformando-se num espaço vazio para proliferar o descaso com a vida e a saúde.

 Este ensaio, tem um caráter simplista, não está engajado em situações partidárias, ele visa mostrar como a vida humana está rebaixada ao descaso, no seu máximo abandono público e social e,  cada vez  mais, ausente do devir humano e cada vez mais banalizada. É isso mesmo. O hábito de ser gentil tornou-se escasso e o ato de ignorar o outro ultrapassa os limites da desumanidade e ganha níveis populacionais: tira-se uma vida por menos que “trinta dinheiros” e a morte de uma criança é vista sem nenhuma compaixão. Por tudo isso, falar em humanismo social nos parece fora de propósito,  praticar gestos desse gênero é coisa ultrapassada.

Porém, como professora e psicopedagoga, procuro cumprir o dever que me cabe como função: levar o saber atrelado ao compromisso com a formação do indivíduo.

Pensando na tarefa dos educadores da pós-graduação (a dos meus alunos que são também professores) resolvi mostrar neste pequeno ensaio a teoria de Maslow sobre o desempenho de sua teoria na década  1946 quando ele reúne grupos de conflitos em sua pesquisa. Maslow afirma com real convicção (sobre esses grupos dominados) sua resposta positiva e alterada pela motivação  que empresta ao indivíduo uma organização de realização possível à vida do ser humano em seu processo de evolução.

Este ensaio é só uma pequena indicação de leitura para aqueles que não tiveram oportunidades de aprofundar-se no campo de grandes pesquisas e, ao mesmo tempo,  compreender que ainda há conserto para a educação humana, basta querer.

Maslow e o humanismo
O assunto aqui nos leva ao encontro da Hierarquia de Necessidades do psicólogo humanista Abraham Harold Maslow, conhecido pela proposta sobre a Hierarquia de necessidades, onde trabalhou uma teoria psicológica que procurava entender as motivações humanas. Em seu trabalho teórico, ele afirma que essas ações são motivadas a satisfazer certas necessidades e que existe uma hierarquia dentro dessas necessidades humanas. O psicólogo defende que quando essas necessidades mais básicas são satisfeitas, desenvolvemos outras necessidades e desejos até chegar ao nível máximo de realização. Partindo desse critério, o pesquisador, Maslow, procurava observar como as escolas de sua época se debruçavam sobre as questões daquele momento, sobretudo pela psicanálise e o behaviorismo, onde ambos se concentravam nos problemas de comportamento e aprendizagem de um ser passivo, enquanto Maslow se preocupava em aprender como e o que pode nos fazer mais felizes e o que podemos fazer para melhorar nosso desenvolvimento pessoal.
Pesquisador e observador-educador  
A proposta do humanista, psicólogo e observador Maslow, estrutura-se na hipótese de uma ideia fundamental de que as pessoas tem um desejo inato de se auto realizarem e serem o que desejam ser. Com base nessa teoria, conquistar os objetivos para conceituar a auto realização teria de passar por uma escala de gradação emocional em busca de satisfazer, em primeiro lugar, algumas necessidades básicas tais como: alimentação, segurança, entre outras necessidades.  Com base nesse propósito o psicólogo nos aponta que se nos preocuparmos com coisas relacionadas à auto realização e, se tivermos um trabalho estável, alimentação assegurada, além de alguns amigos que nos aceitem, esse é um processo normal e faz parte de uma cadeia de necessidades sociais, consideradas normais.
Dentro dessa ótica, o psicólogo nomeou um gráfico das pirâmides, seguindo os princípios básicos das necessidades de acordo a hierarquia adotada pelas várias etapas do desenvolvimento.
A pirâmide de Maslow e os cinco níveis de necessidades:
Necessidades Fisiológicas; Necessidade de Segurança; Necessidades Sociais;  Necessidade de Auto Estima; Necessidade de Auto Realização.
Na representação da pirâmide da Hierarquia de Necessidades, nota-se que as necessidades mais básicas ficam embaixo, enquanto as mais complexas ficam em cima. A proposta hipotética do psicólogo tem por base a escala  das pessoas nessa pirâmide. De acordo com o avanço e conforme as pessoas vão atendendo suas necessidades, por exemplo: um indivíduo só vai sentir necessidades sociais depois que saciar suas necessidades fisiológicas e, sucessivamente, suas necessidades de segurança e assim por diante segue a ordem dentro dos princípios de hierarquias.
Veja o modelo abaixo:


- Necessidades Fisiológicas: as necessidades fisiológicas são as mais primitivas e as primeiras a serem atendidas. Elas representam as coisas que o seu corpo precisa para funcionar, como oxigênio, água, comida, sono, etc.
- Necessidades de Segurança: as necessidades de segurança estão relacionadas com a proteção do eu, como ordem, estabilidade, garantias. São as necessidades de estar fora de perigo.
- Necessidades Sociais: as necessidades sociais são o nível mais alto e representam a necessidade humana de interagir com outros humanos. São necessidades como ter amigos, compartilhar a própria intimidade, trocar carinho, etc.
- Necessidades de Estima: as necessidades de estima estão relacionadas a sentir-se bem consigo mesmo. Entre elas estão a necessidade de ser reconhecido pelas próprias qualidades e de ter o respeito dos grupos dos quais faz parte.
- Necessidades de Auto-Realização:  Maslow acreditava que poucos, cerca de um a cada cem, conseguiam se auto-realizar. Auto-realizado, neste caso, é o indivíduo que alcança a plenitude consigo mesmo e com o mundo, e então se dedica a buscar crescimento pessoal e a realizar seus objetivos de vida.




Para Abraham Maslow toda ação humana é motivada por uma ou várias necessidades, diante desse pensamento,  segundo ele, existem cinco principais grupos de necessidades: fisiológicas, de segurança, sociais, de estima e de auto-realização. O pressuposto dessa teoria sobre as necessidades, obedecem a uma hierarquia de forma que as pessoas só sentem uma necessidade depois que todas as outras necessidades mais importantes já foram saciadas.  Maslow apresenta sua teoria quase sempre na forma de uma pirâmide obedecendo, assim, uma ordem dos critérios  entre as necessidades.


segunda-feira, 25 de setembro de 2017

POR QUE GOSTO DE LER E ESCREVER?

Por que gosto de ler e escrever? 


Minhas Publicações
Outro dia, surpreendi-me com uma inquietante pergunta sobre um vício que entrou na minha vida quando era apenas uma criança de quatro anos de idade. O sintoma? Ansiedade por leitura. Hoje, sete décadas depois, o tal vício perdura, porém um tantinho mais ampliado, com algumas exigências psíquicas, por vezes bem específicas, dominando toda a minha existência entre a leitura e a escrita. Diante desse dito, não tenho dúvida de que valeram a pena o empenho e as broncas que recebia de minha mãe pelas perguntas incomodativas que eram feitas todos os dias. Horário sagrado, hora de dormir e hora também de ficar revendo as inscrições expostas nas telhas da casa. Todas as noites a ação se repetia: eu queria saber o que estava escrito ali.
Minha infância foi assim, nutrida por momentos de arguições. O porquê de tudo era uma brincadeira do processo de aprendizado da criança perguntadora que fui. E não tenho dúvida quanto àqueles questionamentos perante as exauridas respostas da mãe, que iriam fazer diferença ao longo da vida daquela menina curiosa que gostava de letras e símbolos. A descoberta dos escritos no telhado da casa sofreram grandes transformações e passaram de simples inscrições a um brinquedo viciante. A rotina do início da noite também sofrera mudanças de hábitos, a casa que era antes iluminada por um lampião a óleo deveria permanecer às escuras. Por que motivo? Tirar dos olhos acesos da menina a brincadeira, pois preso ao tenro olhar daquela criança estava o objeto do desejo de leitura, materializado em anseios de conhecimento.

Pois bem, aqueles símbolos, ao serem desvelados de seus mistérios, viraram história diante das pertinentes indagações e se transmutaram em estímulo a cada resposta recebida pela voz da mãe, ainda que embargada pelo extremo cansaço do dia. E esta era uma forma indelével de brincar com palavras e letras que o crescimento futuro exigia. Aquela menina que sequer podia imaginar, naquele instante, qual seria o seu futuro, só queria saber mesmo o que estava escrito nas telhas; aquilo que seus olhos viam quando deitada em sua cama. O olhar intrigado para o teto – tão imensamente alto – refletia o paradoxo na antítese da voz pequena e frágil: mãe, o que é que está escrito na telha? E a voz da mãe reverberava do outro cômodo com incômodo: vai dormir, menina, eu tenho que descansar, já é tarde.

E assim, os dias seguiram. Hoje, movida não mais pela curiosidade busco entender o passado ao abrir a caixa preta das lembranças de criança, resgatando de lá o episódio de indagação que deu origem ao meu processo de alfabetização. Brilhante início com letras e símbolos. E aí está um corte no tempo em busca de verdades. A caixa preta da infância estava mais preta do que se podia pensar. Para responder a mim mesma, um flasch back pelos idos da infância se fez necessário, uma descida aos porões da memória num vasculhar aquilo que ainda pudesse permanecer preservado por lá – e, de lá, subtrair o imemorável do tempo, espanando a poeira invisível – para tornar visível ao pensamento da escrita.

Então, vamos lá à primeira pergunta: por que gosto ler? A resposta é simples: porque necessito escrever. Não preciso dizer que há, mais ou menos, uns sessenta e cinco anos atrás, certos recursos de comunicação não existiam. Portanto, na minha casa não havia nenhum desses bens de comunicação, nem jornais, nem revistas, nem rádio galena, quiçá outros meios. Pois bem, se não houve nenhum desses estímulos externos –  o que, de certo modo, sempre influencia – então, posso supor que houve, realmente, uma ponte entre as letras e as palavras das telhas.

Meu querido leitor, você deve estar deduzindo que talvez tenham sido meus pais o incentivo à leitura, supondo que eles deveriam ter uma biblioteca com muitos livros e que deveriam ler belas histórias para seus filhos e, por essa razão, o prazer de ler estaria implícito no hábito. Não. Não havia livros, leitor. Havia, sim, algumas histórias assustadoras da oralidade e da linguagem popular. Você não acertou e está longe de acertar. A contemplação das letras como símbolo gráfico, no teto do casarão antigo, era a mais bela fantasia daquela época. Só depois de muito tempo, admirando e observando aquelas inscrições, tentando desenhar para que minha mãe pudesse decifrar o que nelas estaria escrito, só a partir daí, surgiria a pergunta: mãe o que é que está escrito nas telhas?. E minha mãe responderia com voz de sono, voz embargada de cansaço: vai dormir menina.

Pois bem, toda noite era essa mesma agonia, uma ladainha. As letras estranhas me chamavam à atenção e me seduziam. Com o passar dos dias, fui aprimorando as inscrições ao desenha-las no papel de pão. Até que, de repente, as tais letrinhas foram sendo uma espécie de cartilha onde cada letra ganhava uma forma e um som. Mas estava longe de ser uma aula de alfabetização. Porém, a pertinácia da menina acabava por converter sua mãe como sua professora. Mas a obstinação da criança era bem maior que qualquer explicação que não a convencesse. Criança curiosa, questionadora de tudo que desejasse saber. E foi assim que o vício alastrou-se pela casa a fora: qualquer coisa escrita num pedaço de papel lhe bastava para ser um motivo de grande inquietação.
Suponho que você agora, leitor, também esteja curioso em saber o que é que estava escrito naquelas telhas. Então, vamos às inscrições: Cerâmica Sylvio Guaraciaba – Paraíba do Sul e Cerâmica D’Angelo, também de Paraíba do Sul. Havia uma data em todas, mas não me recordo.

E agora vem a parte mais significativa da primeira pergunta: aprendi a ler com as letras inscritas nas telhas, nos saquinhos de açúcar Cristal e sal Cisne. Juntei letras e sons como brinquedos e fiz delas o meu alfabeto particular, uma reunião que parecia não ter muita lógica, mas arduamente eu buscava compreender, insistentemente, o exercício daquela brincadeira. Todavia, tendo vencido a primeira fase dessa infância, sem livros e sem outros recursos, perece que o resultado fora positivo. Aí, os sons e as letras começavam a fazer ruídos em meus ouvidos e uma traquinagem em meus sentidos. Um dia, surpreendi minha mãe com a leitura no saco de açúcar Cristal e ela, cheia de dúvidas, parou e me mostrou um outro saquinho de sal Cisne e eu, então, li corretamente. Naquele instante, eu já estava lendo.

Agora vamos para a segunda parte do tema: a escrita. Este é um marco significativo na história da minha infância, histórias de vivências que se manifestavam no meio familiar e de forma bem peculiar. Como já me referi anteriormente, vivi uma infância sem livros, sem impressos, sem nenhum veículo que servisse de auxílio ao aprendizado, a não ser, a contação de histórias esquisitas na oralidade de minhas avós. Reflito hoje sobre aquele momento, naquele lugar distante de tudo e vejo, claramente, que não há muito a refletir. Mas há, sim, muito a se considerar na reconstrução do imaginário, do que ficou como lição de vida e o que poderá ainda vir à tona como resgate de um tempo com suas fantasias de árvores-mãe, árvores-casa, flores que falam e muito mais. O resgate dessa vivência preservada na memória reflete como experiência. A ausência de livros fez-me revisitar lembranças sobre aquele vazio de livros, realçando em mim uma visão magnífica dos livros vivos que estiveram ali e seguiram comigo lado a lado durante um longo tempo. Os livros vivos a que me refiro foram as minhas avós e ambas eram detentoras de suas pedagogias empíricas, cada uma do seu modo, com a sua bagagem própria, porém dotadas de uma parcela educativa na formação do núcleo familiar, que possuíam como referência uma larga criatividade no modo de contar as histórias. Hoje, tenho certeza de que aqueles fatos narrados estão vivos na minha formação cultural como professora e psicopedagoga.

Avós! Essas criaturas incomuns, mágicas, transbordam ternuras... São elas deusas encantadoras no ofício de enredar afetos e transferir experiências. É nessa relação dos netos com os avós que as crianças aprendem a lidar com os sentimentos e a se prepararem para relacionamentos futuros, valorizando a vida e enaltecendo o amor. Assim são os avós e, principalmente, as avós – elas marcam o imaginário de seus netos com suas ações de doçura infinitas – tal como uma poção mágica onde a lembrança se eterniza em cada detalhe, em cada momento da infância, fazendo desse lugar, um espaço único e especial do existir. E é nesse lugar do passado recheado de aventuras ao lado de minhas avós, que pude viver o transbordamento dos meus sentidos através das estranhas histórias inventadas – histórias que deram vida aos sonhos que, supostamente, também foram por mim imaginados – hoje, ampliam-se em experiências emocionais as quais vivencio como reais depositários de valores morais adquiridos.

Por que gosto de escrever? Para responder a esta pergunta, muito simples – volto-me para o apêndice do que seria óbvio – porque gosto de ler. Enveredei no mundo da leitura e gostei tanto que procurei fazer daquela oralidade, durante toda a minha infância, uma prazerosa brincadeira. Esta narrativa dos motivos reais segue uma etapa de estórias que são mais que histórias do cotidiano familiar – onde a ficção e a fantasia perambulam como simples acessórios e ganham status de realidade significantes – exercendo, assim, o poder de influenciar, contagiar, incentivar e, de algum modo, seduzir aqueles leitores distraídos que por aqui passarem.

A minha leitura devo ao acaso. Eu a tomei como posse para o grande desejo de ler, tal como se fosse tomada por uma invasão súbita que surgiu em minha vida aos quatro anos de idade e que, do nada, ao olhar distraída àquelas telhas da casa, confesso que fiquei completamente enfeitiçada. Talvez, devêssemos criar mais símbolos que possam enfeitiçar outras crianças. É um fato: a escrita nos remete a uma submissão depois de sermos abduzidos. Daí, outros hábitos entre o ler e o escrever podem ser acometidos e virem a ser possíveis sintomas – a exemplo do vício de ler à noite até altas madrugadas, tornando-se uma necessidade visceral: ler para escrever; ler para viver e escrever; ler como vício pelo vício de escrever. Escrever pelo encanto de letras e palavras.

sábado, 19 de agosto de 2017

Mitologia Viva - Aprendendo com os deuses a arte de viver e amar



Resenha do livro: Mitologia Viva – Aprendendo com os deuses a arte de viver e amar de Viktor D. Salis
Por: Vannda Santana
Revisão: Márcia Vital


Eis a beleza dos mitos, que tanto nos fascinam e  apaixonam: eles não preveem, mas abrem portas e possibilidades para nossa vida. Por isso são fantásticos e ambíguos. Exigem nossa participação e tomada de decisão. Enfim, cobram de nós a coragem de viver, e não simplesmente vegetar. Assim, cada um tem o desafio de recriar um mito – qualquer mito – para sua vida, de acordo com sua visão e compreensão. Tanto ontem como hoje, eles cumprem o papel dos oráculos e videntes de nosso íntimo.
(Viktor D. Salis)

À primeira vista, a lição que os mitos nos deixam ganha status de modelo educativo e de transformação na obra de Viktor D. Salis em seu livro Mitologia VivaAprendendo com os deuses a arte de viver e amar.  De acordo com tais princípios, os mitos atuam sobre um conceito arquetípico, onde transitam com sua profundidade e abrangência, exercendo  um preponderante  papel na formação da consciência coletiva.

O autor empossado de seus saberes ancestrais não exclui sua origem de  ter  nascido em Atenas – Grécia, e ser parte de uma herança cultural que, ainda hoje, nos brinda pelo  elevado nível de formação cultural e educativa. Viktor D. Salis  segue consciente esse caminho da razão de ser e da vontade de fazer. Daí sua formação em um segundo doutoramento sobre A Fenomenologia dos Mitos pela Universidade de Salzburg. Eis um educador por excelência que escreve histórias como quem ensina, organiza os conteúdos com aprofundamento científico, porém  acompanhado do senso de uma  linguagem didática. O livro citado nos mostra um trabalho criterioso, formal e de singular simplicidade por apresentar vários padrões de aprendizagens e com regular acessibilidade aos vários níveis de conhecimento. Mitologia Viva informa e forma pensamentos capazes de nortear a realidade com tudo que há de rituais e tradições na acepção do fabuloso e da fantasia, por entender as peripécias mitológicas e comportamentais  nas ações  míticas, compreendendo, assim, os mitos que vivem em cada um de nós.

O modelo de apresentação de Mitologia Viva compõe as páginas do livro com belos exemplos e com delicadas e expressivas  ilustrações.  Sem perder de vista as funções primordiais dos pares mitológicos que dão origem à genealogia dos deuses e deusas com narrativas contextualizadas e análogas à existência humana: Mitologia Viva vem mostrar que, com sensibilidade e intuição, podemos abrir novas possibilidades para nossas vidas (SALIS, 2003). Assim, esta obra nos traz o conhecimento simbólico da cultura grega e nos faz atravessar fronteiras reais para além do nosso mundo imaginário.  Os mitos, de acordo com Viktor D. Salis, estarão sempre presentes a nos impor condições para aprender a arte de viver e amar. Assim sendo, vivemos sob a égide dos deuses e deusas que vagam entre o céu e a terra habitando seres e corações apaixonados. O autor esclarece que os mitos cumprem uma função didática: eles nos ensinam “a arte de viver e amar” e na arte de viver estarão presentes os perigos do processo existencial, pois eles vão muito além da imaginação, são capazes de gerarem padrões de comportamento humano, para que possamos viver criativamente.

No viés da cultura greco-romana e de acordo com a Paidéia grega de Werner Jaeger, a arte se dá pela formação do homem grego onde tais ensinamentos do educar envolvem o homem como um todo. Desse modo, a arte de educar não se distancia da arte de amar pois, para ambas, o modelo de aprender a viver tem a chama do ensinar com amor. E não muito distante, encontramos com A arte de amar do poeta Ovídeo que, segundo Montesquieu,  era o poeta de todos os poetas. Mas o que há de comum entre Ovídio e Viktor D. Salis?  Para o autor de Mitologia Viva – Aprendendo com os deuses a arte de amar,  a pergunta se desvela na resposta do próprio tema – tema que não se exaure e que também nos encanta – como em Ovídio, cujo tema traduz o ser do poeta (o poeta da felicidade) ao vivenciar a própria arte por encontrar-se nela – e, nela se integrar como “aprendente e ensinante” do ato de amar.

Em Mitologia Viva de Viktor D. Salis não temos perguntas de como aprender com os deuses, mas o livro oferece caminhos à sabedoria de uma busca “real” de respostas para esse homem moderno  que necessita tirar suas possíveis dúvidas diante de incessantes  angústias. Não se trata de manuais de autoajuda, nem oferece práticas  de superação. O livro é um compêndio didático para todas as idades, pois nele contém elementos culturais: um saber puramente histórico,  científico e filosófico, porém com alguns paradoxos de linguagens de erudição greco-latina ao uso do entendimento de narrativas simples. O belo da escrita neste exemplar, nos inquieta e nos remete a subverter a lei da razão diante da indecisão e com o auxílio dos mitos descemos ao palimpsesto dos porões da memória  para de lá extrair a grandeza de se cultivar  valores, coragem, generosidade, honestidade  para além de outros conhecimentos. Se o encanto dos deuses nos atinge significativamente através da escrita, um desses deuses habita o olimpo de Mitologia Viva que ressoa como literatura e conta uma história de possibilidades de nos conduzir ao encontro de mitos, lendas e outras estórias.

Para concluir, penso que muito poderia ser dito sobre o assunto mas deixo a beleza da descoberta daquilo que se oculta em cada mitologema.


domingo, 23 de julho de 2017

A Mala da Madrugada

A  mala da madrugada.

Teoricamente, todo conto tem seu começo, meio e fim e este conto inicia-se pelo fim.  Pois bem: depois de uma semana de trabalho numa cidadezinha de Goiás chamada Buriti Alegre, enfrentei momentos de verdadeira angústia.  E devo confessar que foram esses percalços os incidentes que me levaram a uma breve reflexão sobre o nome da cidade descrita acima. Tais incidentes levaram-me a um pequeno questionamento: por que certas coisas acontecem? E qual será a causa do mistério que às vezes gira em torno delas? E se isso merece uma investigação, não sei. A verdade é que existem as incidências e estas poderão ser apenas meras recorrências de fatos e acontecimentos comuns, o que não afirma, tão pouco descarta, o acaso da correspondência do nome do lugar com as coisas que ali podem, de fato, acontecer.

 O acontecimento 

Fecho a conta do Hotel, pego a bagagem de mão e deixo as malas para que o vigia  as coloque do lado de fora do Hotel, na calçada, enquanto aguardava-se o táxi. A madrugada está fria...  Do lado de dentro, o vigia volta a debruçar-se sobre o balcão. Parece dormir com a cabeça enfiada sobre os braços entrecruzados. Do lado de fora, em pé e sem ter onde encostar, a não ser num poste sem luz, estou eu aguardando pacientemente a chegada do veículo que me levaria à Rodoviária. O trajeto é pequeno, porém não dá para ser feito a pé, principalmente quando se tem bagagens de peso para carregar. Ah que bom, chegou o táxi. E, dentro dele, aboletei-me imediatamente: primeiro, para também fugir do frio e, segundo, para descansar meus pés de uma semana árdua de trabalho “nos saltos”. Sem outras preocupações, deixei o embarque da bagagem, duas malas, ao encargo do motorista.

 O trajeto para a Rodoviária

 Ao adentrar o táxi, um gostoso alívio. Poder sentar... que delícia! Essas foram as maiores sensações de bem estar que pude vivenciar naquela semana. O abrigo e o calor no interior do carro em contraste com a vasta e fria madrugada  representavam a recompensa pelo estresse sofrido. Quebrei o silêncio com um bom dia senhor! Leve-me para a Rodoviária, vou pegar o ônibus das duas horas e meia da manhã com destino à Goiânia.

 Chegada à Rodoviária

Abro a bolsa e retiro dela uma nota  de cinquenta reais para pagar a corrida que custara apenas dez reais. O motorista diz não ter troco e que eu pague um outro dia. Respondo rindo que não sei se haveria outro dia. E ele, placidamente, diz: não tem problema, se a senhora voltar... a senhora me procura, meu nome é Tonho. Igualzinho no Rio de Janeiro... pensei em tom de ironia. Enquanto o motorista se incumbe de retirar as malas do carro, faço uma inspeção cautelosa na bolsa, reviro-a pelo avesso e fico feliz por encontrar uma nota de dez reais perdida em meio aos muitos papéis soltos no fundo dela. Após ter pago, o senhor Tonho me deseja uma boa viagem e eu agradeço já em movimento. Imediatamente corro à bilheteria para confirmar o embarque e a hora de saída do ônibus.

 A surpresa

  Antes mesmo de chegar à bilheteria, dei por falta de uma das malas. Foi aí, nesse instante, que percebi que estava me faltando uma mala; eu carregava duas malas grandes e duas bolsas de mão. Olho em direção ao desembarque à procura do táxi que havia me deixado na rodoviária e já não o vejo mais... O senhor Tonho? Já partiu! E o que fazer agora?

O desespero

 Aproxima-se um carro particular com um casal no seu interior. Foi então, que não vislumbrando outra saída, pedi ajuda: oi amigos estou em desespero, será possível levar-me até o Hotel? Justifiquei o esquecimento de uma das malas e que talvez a tivesse deixado no quarto. O casal extremamente solícito e educado disse: vamos lá! A companheira do condutor do veículo, uma moça bastante simpática, sugeriu que eu guardasse a outra mala no próprio guichê da empresa. Assim o fiz.

  O retorno ao Hotel

Olá!  Deixei uma mala aqui. Você pode pegá-la, por favor, deve ter ficado lá no quarto. O rapaz foi categórico na resposta:  lá, não ficou nada não, eu trouxe as duas malas da senhora cá pra baixo. Estranho... disse eu; então, o que aconteceu? O funcionário, tentando ser gentil, argumenta: será que ficô no táxi? Vou ligar pro seu Tonho. E o rapaz liga imediatamente para o dono do táxi.

 A conversa do atendente do Hotel com o motorista

 Seu Tonho,  aquela  muié que o sinhô pegou aqui inda gorinha... que o sinhô levou pra rodô... sinhô tá lembrado dela? Pois é... a muié perdeu a mala  e qué sabê se ficô no carro do sinhô. Do outro lado a resposta é repassada ao vigia do Hotel.   Sem pestanejar o rapaz afirma: seu Tonho  disse que só tinha uma mala e ele só  tirô uma do carro dele.

 A dúvida e o retorno para a Rodoviária

 A madrugada já estava ficando pequena e a hora do embarque também. Por essa eu não esperava... Aquele transtorno inaugurava além de dúvidas, uma certa desolação. Olhei aflita para os ponteiros do relógio que mais pareciam estar desgovernados, correndo em disparada contra o tempo. Pensei alto, tenho de voltar o mais rápido possível para a rodoviária, senão vou acabar perdendo o ônibus. Jakson e a companheira que me prestaram ajuda naquele momento de aflição (lembra do carro particular com um casal dentro?) ficaram sensibilizados com a minha situação: temos mesmo de correr para a Rodoviária, sua mala deve ter ficado lá em algum lugarzinho, quem sabe?. E eu respondi: quem sabe! Cheguei ofegante. O coração batendo em ritmos descompassados, querendo sair pela boca. E os pés... Nesse instante, um dos meus sapatos quebra o salto... tentei manter o equilíbrio, quase impossível. Mas isso não está me importando agora. Quero mesmo é ir embora. Com ou sem mala, com salto ou sem. O problema maior seria  a mala e o que nela contém. Mas já que ela desapareceu, sacudi o ombro, coloquei em prumo o peito e disse: o jeito é me conformar.  Ainda assim, procurei sem esperanças, com os olhos voltados para cada palmo de chão como quem procura uma agulha num palheiro, e nada de mala.  A bandida havia realmente desaparecido como por encanto. Indaguei a todos os funcionários que estavam de trabalho naquela madrugada na rodoviária e eram apenas dois: um executava o serviço de vendedor de bilhetes, enquanto o outro conferia a chegada e saída dos Ônibus; este último, ao mesmo tempo que colocava as bagagens dos passageiros no seu devido lugar, também era quem, com uma prancheta na mão, anunciaria  a hora da partida  dos coletivos.

  O espaço físico da Rodoviária

 Naquela manhã  havia pouquíssimos passageiros para o embarque daquele dia. Era menos de meia dúzia o contingente de viajantes. O espaço físico da Rodoviária oferecia aos olhos de qualquer observador, não menos atento, um olhar mais que devassador: bastava uma pequena passada de olhos para que tudo fosse visto no mesmo instante. Diante daquela estrutura arquitetônica da Rodoviária, não era estranho  perceber, em poucos segundos o entorno de tudo que ali existia: um pequeno corredor separava o bar das duas pequenas bilheterias das diferentes empresas, sendo que só uma funcionava. Esse mesmo corredor desemboca em um outro menor ainda e aponta para duas placas em preto e branco, sinalizando os gêneros dos dois banheiros também pequenos e sujos.  Na entrada desse lugar, ao qual atribuímos o nome de Rodoviária, havia uma pista destinada para o estacionamento dos coletivos com uma demarcação de lugares (uma espécie de Box) para apenas dois ônibus. Do lado oposto dessa mesma pista, podiam parar carros particulares, assim como  táxis.


Onde foi parar a mala?

E a mala? Nada.  Onde ela foi parar nessa hora?   O que teria acontecido com aquela mala? Fiquei pasma... muito estranho... pensei desolada. A mala havia desaparecido sem deixar vestígio. Nesse instante de reflexão, chega o ônibus. Inicia-se, então, o embarque. Ainda desencantada, dirigi‑me ao rapaz do embarque de cargas, a fim de entregar-lhe o que restara da minha bagagem. Antes mesmo de me dar a devida atenção, ele faz uma chamada aos poucos passageiros que ali embarcariam.

O aviso surpreendente

 Senhores, senhores, por favor, tenho um aviso importante! Pensei comigo: só me falta essa agora, ele vai anunciar que o ônibus está quebrado. De repente a chamada: onde está a mulher que perdeu a mala? onde está a mulher que perdeu a mala? Minha voz embargou. Só na segunda repetição pude me dar conta de que era para mim aquele aviso. Mancando, corri até o rapaz e disse: sou eu... - E o tal rapaz informa: Um funcionário do Hotel cercou o nosso coletivo e nos pediu que procurássemos a mulher que perdeu a mala, dizendo que esta estava no mesmo lugar, do lado de fora do Hotel, encostadinha no poste onde o táxi parou pra pegar a senhora. Fiquei  por algum tempo sem palavras de tão alegre.
  
O silêncio em forma de regozijo

 Depois de um longo silêncio, veio a reflexão e uma retrospectiva de toda aquela cena e, ao mesmo tempo, a do abandono da mala naquele lugar, naquela hora da noite, ao lado de um poste de lâmpada queimada, o qual nem sequer sabia que não cumpria o seu ideal papel. E, para acrescentar mais um enredo a esta história, a porta do Hotel, como de costume, ficava sempre trancada a chaves e o poste sem luz, lá do lado de  fora, fora do alcance da visão de quem estivesse no interior do Hotel. Aí eu me pergunto: como foi que o vigia avistou a mala? Realmente, não sei como, mas a mala estava lá... esperando o momento de retomar para sua jornada de tantas idas e vindas e de volta a sua dona.

Analogias e antíteses: um fenômeno

Minha estada em Buriti Alegre fez jus ao nome: trouxe-me a certeza do termo “alegre”  e bem de acordo com sua etimologia. Porém, durante alguns minutos, uma eternidade vivenciada por uma angústia, quase quebra o sabor da palavra “alegre”. Mas esta mesma duração de tempo trouxe-me à reflexão e de novo a palavra alegre se apresenta a mim naquele instante envolvendo-me de certezas e de uma indescritível constatação de alegria, quase indefinível. Juntamente com essa sensação de bem estar e de alegria pelo resultado do encontro com a mala já considerada perdida, instaurou-se um fenômeno: por aqui ainda mora a honestidade e juntamente com ela o ser Alegrense. Mas será que todos que por aqui vivem tem pelo menos um motivo para justificar o nome de sua pequena cidade?

Conclusão

Minha ida a Buriti Alegre para ministrar um curso de pós-graduação, trouxe-me um belo aprendizado: descobri que lá ainda reina a honestidade em todas as classes humanas. Trouxe comigo a mala desgarrada e nela a certeza de ter vivenciado uma experiência fantástica. Esta é uma história com causa e consequência de um acontecimento  real com final feliz.

 



segunda-feira, 12 de junho de 2017

Por que gosto de ler e escrever?

Por que gosto de ler e escrever?

Outro dia me surpreendi com uma inquietante pergunta sobre um “vício” que entrou na minha vida quando era apenas uma criança de quatro anos de idade. E o sintoma? Ansiedade por leitura. Hoje, sete décadas depois, o tal “vício” perdura, porém um “tantinho” mais ampliado: com algumas exigências psíquicas, por vezes bem específicas, dominando toda a minha existência, entre a leitura e a escrita. Diante desse dito, não tenho dúvida de que valeram a pena o empenho e as “broncas” que recebia de minha mãe pelas perguntas incomodativas que eu fazia quando íamos dormir, sobre as inscrições nas telhas da casa onde morávamos, que se repetiam noite após noite.

Minha infância foi nutrida por momentos de arguições: o porquê de tudo era uma brincadeira do processo de aprendizado da criança perguntadora que fui. E não tenho dúvida quanto àquele questionamento da criança perante as exauridas respostas da mãe, que iriam fazer diferença ao longo da vida daquela menina curiosa que gostava de letras e símbolos. A descoberta dos escritos no telhado da casa sofreram grandes transformações e passaram de simples inscrições a um brinquedo viciante. A rotina do início da noite também sofrera mudanças de hábitos, a casa que era antes iluminada por um lampião a óleo deveria permanecer às escuras. Por que motivo? Tirar dos olhos acesos da menina a brincadeira, pois preso ao tenro olhar daquela criança estava o objeto do desejo de leitura, materializado em anseios de conhecimento.

Pois bem, aqueles símbolos, ao serem desvelados de seus mistérios, viraram história diante das pertinentes indagações e se transmutaram em estímulo, a cada resposta recebida pela voz da mãe, ainda que embargada pelo extremo cansaço do dia. E esta era uma forma indelével de brincar com palavras e letras que o crescimento futuro exigia. Aquela menina que nem sequer podia imaginar, naquele instante, qual seria o seu futuro, só queria saber mesmo o que estava escrito nas telhas; aquilo que seus olhos viam quando deitada em sua cama. O olhar intrigado para o teto – tão imensamente alto – refletia o paradoxo na antítese da voz pequena e frágil: “mãe, o que é que está escrito na telha?” E a voz da mãe reverberava do outro cômodo com incômodo: “vai dormir, menina, eu tenho que descansar, já é tarde”.

E assim, os dias seguiram. Hoje, movida não mais pela curiosidade busco entender o passado ao abrir a caixa preta das lembranças de criança, resgatando de lá o episódio de indagação que deu origem ao processo de alfabetização. Brilhante início com letras e símbolos. E aí está um corte no tempo em busca de verdades. A caixa preta da infância (estava mais preta do que se podia pensar). Para responder a mim mesma, um flasch back pelos idos da infância se fez necessário: uma descida aos porões da memória num vasculhar aquilo que ainda pudesse permanecer preservado por lá – e, de lá, subtrair o imemorável do tempo, espanando a poeira invisível – para tornar visível ao pensamento da escrita.

Então, vamos lá à primeira pergunta: por que gosto ler? A resposta é simples: porque necessito escrever. Não preciso dizer que há mais ou menos, uns sessenta e cinco anos atrás, certos recursos de comunicação não existiam. Portanto, na minha casa não havia nenhum desses bens de comunicação (nem jornais, nem revistas, nem rádio galena, quiçá outros meios). Pois bem, se não houve nenhum desses estímulos externos, o que de certo modo sempre influencia, então posso supor que houve realmente uma “ponte” entre as letras e as palavras das telhas.

Meu querido leitor, você deve estar deduzindo que talvez tenham sido meus pais o incentivo à leitura, admitindo que eles deveriam ter uma biblioteca com muitos livros e deveriam ler belas histórias para seus filhos e, por essa razão, o prazer de ler estaria implícito pelo hábito.

Não. Não havia livros, leitor. Havia, sim, algumas histórias assustadoras da oralidade e linguagem popular. Você não acertou e está longe de acertar. A contemplação das letras como símbolo gráfico no teto do casarão antigo, era a mais bela fantasia daqueles tempos. Só depois de muito tempo, admirando e observando aquelas inscrições, tentando desenhar para que minha mãe pudesse decifrar o que nelas estaria escrito e o que queriam dizer aquelas inscrições; só a partir daí, surgiria a pergunta: mãe o que é que está escrito nas telhas?. E minha mãe respondia com voz de sono, voz embargada de cansaço: “vai dormir menina”.

Pois bem, toda noite era essa mesma agonia, uma ladainha. As letras estranhas me chamavam à atenção e me seduziam. Com o passar dos dias fui aprimorando as inscrições ao desenha-las no papel de pão. Até que, de repente, as tais letrinhas foram sendo uma espécie de “cartilha” onde cada letra ganhava uma forma e um som. Mas estava longe de ser uma aula de alfabetização. Porém, a pertinácia da menina acabava por convencer sua mãe como sua atual professora. Mas a obstinação de criança era bem maior que qualquer explicação que não a convencesse. Criança curiosa, questionadora de tudo que desejasse saber. E foi assim que o vício alastrou-se pela casa a fora: qualquer coisa escrita num pedaço de papel lhe bastava para ser um motivo de grande inquietação.

Suponho que você agora, leitor, também esteja curioso em saber o que é que estava escrito naquelas telhas. Então, vamos às inscrições: Cerâmica Sylvio Guaraciaba – Paraíba do Sul e Cerâmica D’Angelo, também de Paraiba do Sul. Havia uma data em todas mas não me recordo. E agora vem a parte mais significativa da primeira pergunta: aprendi a ler com as letras inscritas nas telhas, nos saquinhos de açúcar Cristal e sal Cisne. Juntei letras e sons como brinquedos e fiz delas o meu alfabeto particular, uma reunião que parecia não ter muita lógica, mas arduamente eu buscava compreender insistentemente o exercício daquela brincadeira. Todavia, tendo vencido a primeira fase dessa infância sem livros e sem outros recursos, perece que o resultado fora positivo. Aí, os sons e as letras começavam a fazer ruídos em meus ouvidos e uma traquinagem em meus sentidos. Um dia, surpreendi minha mãe com a leitura no saco de açúcar Cristal e ela, cheia de dúvidas, parou e me mostrou um outro saquinho de sal Cisne e eu, então, li corretamente. Naquele instante, eu já estava lendo literalmente.

Agora vamos para a segunda parte do tema: a escrita. Este é um marco significativo na história da minha infância, histórias de vivências que se manifestavam no meio familiar e de forma bem peculiar. Como já me referi anteriormente, vivi uma infância sem livros, sem impressos, sem nenhum veículo que servisse de auxílio ao aprendizado, a não ser, a contação de histórias esquisitas na oralidade de minhas avós. Reflito hoje sobre aquele momento, naquele lugar distante de tudo e vejo claramente que não há muito a refletir. Mas há, sim, muito a se considerar na reconstrução do imaginário, do que ficou como lição de vida e o que poderá ainda vir à tona como resgate de um tempo com suas fantasias de árvores-mãe, árvores-casa, flores que falam e muito mais. O resgate dessa vivência preservada na memória reflete como experiência. A ausência de livros fez-me revisitar lembranças sobre aquele vazio de livros, realçando em mim uma visão magnífica dos “livros vivos” que estiveram ali e seguiram comigo lado a lado durante um longo tempo. Os “livros vivos” a que me refiro foram as minhas avós e ambas eram detentoras de suas pedagogias empíricas, cada uma do seu modo, com a sua bagagem própria, porém dotadas de uma parcela educativa na formação do núcleo familiar, que possuíam como referência uma larga criatividade no modo de contar as histórias. Hoje, tenho certeza da influência de que aqueles fatos narrados estão vivos na minha formação cultural como professora e psicopedagoga.

Avós! Essas criaturas incomuns, mágicas, transbordam ternuras... São elas deusas encantadoras no ofício de enredar afetos e transferir experiências. É nessa relação dos netos com os avós que as crianças aprendem a lidar com os sentimentos e a se prepararem para relacionamentos futuros, valorizando a vida e enaltecendo o amor. Assim são os avós e, principalmente, as avós – elas marcam o imaginário de seus netos com suas ações de doçura infinitas – tal como uma poção mágica onde a lembrança se eterniza em cada detalhe, em cada momento da infância, fazendo desse lugar, um espaço único e especial do existir. E é nesse lugar do passado recheado de aventuras ao lado de minhas avós, que pude viver o transbordamento dos meus sentidos através das estranhas histórias inventadas – histórias que deram vida aos sonhos que, supostamente, também foram por mim imaginados – hoje, ampliam-se em experiências emocionais as quais vivencio como reais depositários de valores morais adquiridos.

Por que gosto de escrever? Porque gosto de ler. Enveredei no mundo da leitura e gostei tanto que procurei fazer daquela oralidade de minha infância esta narração de motivos reais, onde as estórias são mais que histórias – onde a ficção perambula como simples acessório e ganha status de realidade significante – exercendo o poder de influenciar, contagiar, incentivar e, de algum modo, seduzir aqueles leitores distraídos que por aqui passarem.

A leitura devo ao “acaso”. Eu a tomei como posse do desejo de ler, tal como se fosse tomada por uma invasão súbita que surgiu em minha vida aos quatro anos de idade e que, do nada, ao olhar distraída para as telhas da casa, me vi completamente enfeitiçada.

A escrita – uma submissão depois de ser “abduzida”. Daí, outros hábitos me acometeram e se tornaram sintomas de necessidade visceral: ler para escrever; ler para viver e escrever; ler como vício pelo vício de escrever. Escrever pelo encanto de letras e palavras.


quarta-feira, 10 de maio de 2017

A Doença como Caminho


A Doença Como Caminho
Uma Visão Nova da Cura como Ponto de Mutação em que um Mal se deixa transformar em Bem

Bem e Mal. Um poder latente envolve todos os mundos, todas as criaturas, o bem e o mal. E esse poder é a verdadeira Unidade. Como ele pode abrigar dentro de si os opostos do bem e do mal? Na verdade não existe paradoxo nessa afirmação, pois o mal serve de trono para o bem.
(Baal Schem Tow)

Uma releitura:
Este é um livro que  nos leva a pensar na leitura como se fosse um “antídoto”, e através dele, uma lição de como entender a doença para não adoecermos. Os autores nos mostram “um caminho” para detectar o significado mais profundo das doenças. Eles partem do princípio de que todo sintoma é um alerta da alma para uma carência essencial. No final do livro, há uma espécie de glossário que nos oferece uma compreensão sobre os diversos sintomas clínicos e este é o clímax do livro – uma listagem desses sintomas é elencada – nos permitindo a oportunidade de conhecer esse novo caminho para nos aproximar de nós mesmos diante do autoconhecimento. Não se trata de um manual de autoajuda. O livro é sem dúvida uma releitura de nós mesmos e das doenças e sua expressão simbólica, pois aqui são analisados e interpretados como formas de manifestação dos problemas psíquicos (p.7)[1].

Sem mais questionamentos. Não há dúvidas de que a saúde é o nosso bem mais precioso. Por essa razão, buscamos o nosso bem estar físico e emocional, procurando compreender qual o sentido da doença em nossas vidas. Sendo assim, não basta entender o que se passa em nosso organismo se não nos propusermos a ouvir os sinais do próprio corpo. A epígrafe nos alerta para esse poder latente presente em todo mundo, e esta afirmação, dotada de um tom filosófico e maniqueísta, destaca-se por uma abordagem contextual sobre a lei dos opostos, referindo-se à polaridade e aos aspectos da mesma unidade. Diante  dessa ótica, em que o mal serve de trono para o bem, é visível que vamos nos confrontar com a nossa sombra já que o bem vive do mal e o mal do bem. Entretanto, decidir sobre o que é certo ou errado é uma questão de bom senso e lógica. Entretanto, sabemos que conviver com a nossa sombra não é nada fácil. Talvez, por questões de ética e moralidade nos venha ao pensamento que talvez fosse melhor eliminá-la sempre que ela vier à tona. Este pensamento, guarda sem dúvida, uma convicção com os nossos princípios morais além do rigor sobre os conceitos adquiridos. 

Para os autores – o psicólogo Thorwald Dethlefsen e o médico Rüdiger Dahlke – não existem “doenças”, mas sim, uma única doença ligada inseparavelmente à “imperfeição” humana, e que se revela através de diferentes sintomas. A Doença como Caminho destina-se às pessoas que estão preparadas para abandonar as noções tradicionais sobre doenças e buscam analisar mais profundamente a verdadeira natureza das mesmas: (Texto da contracapa do livro)[2]

Este texto é uma síntese que aponta para a necessidade de um olhar atento sobre a vida. A Doença Como Caminho não nos redime dos erros, tanto menos, opera milagres. Mas nos aponta para uma visão honesta da observação constante sobre o nosso existir e assim nos conduz a um novo modo de olhar à vida. Desse modo, acredito que esta recomendação tem como objetivo atingir nosso “eu” superior de forma mais consciente para se repensar nossa história, ao mesmo tempo em que oportuniza se conhecer o mal no processo de transmutação para o bem. Por entender que todos aqueles que buscam por uma melhor qualidade de vida, estarão buscando também alcançar o equilíbrio de uma boa saúde. Agindo assim, podemos compreender as trajetórias e os revezes de algumas etiologias, que por vezes nos afetam diretamente nos fazendo adoecer sem “ouvir” o alerta dos sintomas.   O livro oferece um questionamento para se descobrir o que está fora do equilíbrio e dessa forma entender a diferença entre lutar contra a doença e transmutar a doença. O processo de tal abordagem, fundamenta-se em conteúdos psíquicos e sintomáticos e os assuntos aqui abordados não nos causam  frustrações, mas sim, uma curiosa vontade de entender o sistema adotado que relaciona a doença como caminho.





 Pois bem, o aprendizado sobre a saúde e a doença nos faz rever conceitos: mas o que é Saúde e o que é Doença? De acordo com o dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, afirma ser  Saúde um "Estado daquele cujas funções orgânicas, físicas e mentais se acham em situação normal" (Ferreira, p.286) e a Doença: "falta ou perturbação da saúde"  (Ferreira, p.116). Dessa maneira, temos de usar o sintoma como um professor que nos orienta a entender a disciplina do desenvolvimento para nos tornarmos cada vez mais conscientes de nós mesmos.

De acordo com o que acabamos de observar, podemos relatar que a correlação apontada pelos autores nas diferentes funções do organismo humano é excludente. Entretanto, o que se pode constatar é que ambas (saúde e doença) guardam entre si uma interação que se dá de forma "normal" e neste caso, a resposta estaria no equilíbrio: se há harmonia no sistema emocional, mental e físico, então, temos saúde. Acredita-se que esta situação normal é adequada a cada ser humano e de forma individual, correspondendo àquela em que haveria o equilíbrio entre todas as suas funções orgânicas. Portanto, seria normal a negação da “sombra” de forma inconsciente. E anormal seria aceitar conscientemente que temos alguma doença e, seja ela qual for, não sabemos o que fazer com o processo psicossomático. É nesse ápice da questão, que devemos buscar a compreensão dos fatos ainda que eles nos pareçam complexos: 

Desde a época de Hipócrates, a medicina acadêmica vem tentando convencer os pacientes de que um sintoma é um fenômeno mais ou menos acidental, cuja origem deve ser procurada nos processos mecânicos do organismo. Desde então, todos estão empenhados na pesquisa desses processos. A medicina acadêmica evita cuidadosamente interpretar o sintoma, e assim condenar o sintoma e a doença ao exílio da ausência de significado. Com isso, o sinal perde sua verdadeira função: os sintomas transformam-se em sinais sem significados (p.15 -16).[3]

A partir do momento em que se instala um desequilíbrio no ser humano, por causas variadas que podem ser físicas ou acidentais, mental ou emocional ou ainda pelas repressões da infância, com as grandes perdas, automaticamente começam a surgir  os "sintomas" expressos de diferentes formas e em diferentes funções, pois o corpo, a mente e as emoções estão aí interligados num todo. Assim, por exemplo, os sintomas podem ser a soma dos fatores psicossomáticos e vir a se manifestar até mesmo por uma grande tristeza, decorrente de uma perda qualquer e, portanto, desencadear várias causas emocionais. Desse modo, perceber que os sintomas que combatemos podem ser nossos maiores aliados, na medida em que são como um “grito”  do nosso corpo nos chamando à atenção para algo muito maior que não vai bem. E esse desequilíbrio mais profundo deve ser tratado e corrigido. Às vezes, uma simples dor de cabeça, ou um estado febril nos mostra que algo não vai bem. Mas o que quer dizer este sinal? A cura pressupõe a compreensão desse TODO. Portanto, dar um passo em busca da “consciência” para descobrirmos onde foi que nos desviamos de nós mesmos, eis a questão; esse é o sinal; essa é a seta que indica e aponta o caminho da existência para ser feliz. A consequência não deve ser entendida como resposta final do mal, mas sim, como princípio de que algo não estará bem se não buscarmos a causa que continua presente no sintoma. Penso então, ser meu corpo o palácio de todas as coisas que nele se interagem e que de dentro de mim “falam” e convivem nessa semiótica de sentidos.

Penso não ser nada fácil tirar conclusões e pareceres sobre um estado de  fragilidades gerados por uma doença grave. Mas sei também que não há uma receita pronta para atenuar dúvidas. Porém, afirmo a certeza de que há diferentes modos de comportamentos que podem nos indicar caminhos de esperanças. E é isto, às vezes, que nos basta como antídoto: a esperança.

E não é por acaso que a história da Medicina se funde com a História do Homem. Pois, desde os tempos mais antigos, o homem busca a Cura das suas doenças e também não é por acaso que a Grécia antiga foi o berço dos deuses mitológicos e seus grandes mestres de cura como célebres filósofos. Como em todas as civilizações milenares os antigos buscavam, nos mitos, as respostas às suas indagações sobre as mais variadas questões e como não poderia deixar de ser, sobre a saúde, a doença e a cura. Os filósofos gregos nortearam todo o pensamento ocidental, portanto a medicina ocidental, e a influência deles em todas as áreas podem ser observadas até hoje. A palavra “cura” vem do centauro mitológico grego – Chiron, meio homem e meio animal, um semideus, filho do deus Cronos (deus do Tempo). Chiron foi ferido em sua anca por Hércules – ferida incurável e dolorosa, que lhe permitiu ter o conhecimento da dor e tudo que a ela se relacionava. Recebeu de Zeus, seu irmão, também filho de Cronos, a imortalidade, mas, como imortal, sua ferida incurável e sua dor nunca seriam exterminadas, então trocou sua imortalidade com o titã Prometeu que tinha o dom do Fogo. O Fogo tem o simbolismo da luz, do conhecimento, da consciência. Prometeu trouxe aos Homens, então, o autoconhecimento, a “consciência” e Chiron trouxe o conhecimento do corpo e da dor.

Neste pequeno recado temos uma grande lição: sermos mais conscientes com a vida que herdamos da divindade.






[1] A Doença como Caminho – Thorwald Dethlefsem & Rüdiger Dalke. Ed. Cultrix, São Paulo, 1999
[2] Idem
[3] Idem

domingo, 19 de março de 2017

Paideia: "Lugar dos gregos na história da educação"

Paideia: “Lugar dos gregos na história da educação”
Professora: Vannda Santana
Revisão: Márcia Vital
Toda educação é assim o resultado da consciência viva de uma norma que rege uma comunidade humana, quer se trate da família, de uma classe ou de uma profissão, quer se trate de um agregado mais vasto, como um grupo étnico ou um Estado.
(Werner Jaeger, Lugar dos gregos na história da educação).
Educação e formação dos gregos segundo princípios da Paideia
A Paideia é a fiel representação da educação na formação do homem grego. A  educação a que W. Jaeger se refere pode se aplicar com propriedade à palavra alemã Bildung (formação), no seu sentido pleno de forma completa e em seu todo. Desse modo, vale perceber o quão importante foi a metodologia de ensino aplicada na Grécia antiga e o verdadeiro objetivo que permeava tal concepção pedagógica.
Paideia (παιδεία) é um termo do grego antigo empregado para sintetizar a noção de educação na sociedade grega clássica. A palavra paidos (pedós) - criança  significava "criação dos meninos", referindo-se à educação familiar, aos bons modos e aos princípios morais.  A Grécia exerceu um  modelo de educação que tinha  por finalidade formar o homem em suas amplitudes morais e sociais.  Jaeger afirma que “A tendência do espírito grego para a clara apreensão das leis do real, tendência patente em todas as esferas da vida – pensamento, linguagem, ação e todas as formas de arte – radica-se nesta concepção do ser como estrutura natural, amadurecida, originária e orgânica.”

 Esta era a base de toda educação grega, vivenciada por uma preocupação consciente e com o caráter de atingir as melhores formas de existência humana dentro de uma prática organizada através do esforço consciente: o homem e a prática criadora, atuando em condições de manutenção e transmissão de suas organizações físicas e espirituais. E é através desse esforço físico e espiritual que era possível atingir o mais alto grau de intensidade consciente do conhecimento que se revestia de uma idealização no sentido da unicidade e da aplicação das leis ao conduzir o ideal do estilo.

Eis a verdade dos ideais educativos.  Os gregos que vivenciaram a educação com base na paideia  também tiveram seus problemas. Na literatura grega, por exemplo, houve um questionamento do conceito, seja na poesia, tragédia ou na comédia. Assim, os gregos tiveram de elevar seus espíritos para alcançarem melhores resultados, através do importante debate do estatuto com a questão filosófica dos Sofistas, logo depois  com Sócrates e Platão, seguido de Isócrates e, finalmente, com Aristóteles.  Desse modo, em meio à sociedade ateniense, a "paideia" passa a se referir a um processo de educação no qual os estudantes eram submetidos a um programa que procurava atender a todos os aspectos da vida do homem. Entre as matérias abordadas constavam a geografia, história natural, gramática, matemática, retórica, filosofia, música e ginástica.

O conceito que antes era preconizado originalmente exprimia o ideal de formação social do homem grego e este ideal  estava contido em outro termo: "aretê" (em grego, adaptação perfeita, excelência, virtude), dessa forma, explicitado nos poemas homéricos. A  aretê  era entendida como um conjunto de qualidades físicas, espirituais e morais, atributo próprio da natureza (como por exemplo, a bravura, a coragem, a força,  a destreza, a eloquência, a capacidade de persuasão e, enfim, a heroicidade). O alargamento do ideal educativo da aretê surgiu ao fim da época arcaica grega (por volta dos séculos VIII e VII a.C.), traduzindo-se na expressão "kalos kagathos" (kalos = bom; kagathos = belo, ou o bom e belo, em grego) da qual deriva o termo kaloskagathia, ou, a grosso modo, o cultivo da bondade ou do virtuosismo e da beleza, onde o homem era estimulado a alcançar a excelência física e moral além da honra e da glória.

A partir do século V a. C., o conceito de aperfeiçoamento do ser humano para o bem da sociedade como um todo segue em plena evolução. A noção agora vigente é que, para além de formar o homem, a educação deve ainda formar o cidadão, deixando de ser suficiente a simples e antiga educação baseada na ginástica, música e gramática.

O conceito acabado da paideia torna-se o ideal educativo da Grécia clássica. Com o tempo, passou a designar o resultado do processo educativo que se prolonga por toda vida, para muito além da escola. Até os dias de hoje seus ideais são imitados em praticamente todo o mundo, como um perfeito entendimento de formação social do ser humano.

A Educação Grega como exemplo para os dias atuais 
A distância compreendida desse período da Grécia Antiga  para os dias atuais não guarda hoje nenhuma semelhança com a educação contemporânea que temos no Brasil. Muito pelo contrário. A educação se perdeu do “homem” e o homem da educação.  No crescimento da sociedade a imagem está desconfigurada diante da realidade, longe do que se poderia chamar de ideal. E o destino da educação parece  resvalar  para a margem da história, agarrando-se a fragmentos de referências teorizadas mas sem nenhuma identidade moral que os autentique para um padrão de modelo. A imagem desenhada da educação atual deixou marcas de um esfacelamento total; traços amorfos se apresentam no caráter educativo como descrédito dos valores morais e sociais, um viés patológico como causa e talvez como consequência.

 A partir desse perfil, é possível vislumbrar resultados no sentido de alcançar melhores condições educativas, ainda que seja através de uma teoria, um idealismo formal ou uma concepção dialética;  mediada por uma grande reforma. Lamentavelmente, esses critérios não atingem a consciência coletiva; e a educação, como vítima, fracassa. E o homem vitimado pelas mesmas circunstâncias também fracassa em seu caráter. E o Estado perde com a deformação do todo.

Entretanto, o ideal dos gregos já teria desaparecido ao longo do tempo se o homem grego não tivesse exercido com eficaz pertinácia sua própria história, colocando como expressão de altíssima vontade aqueles ideais com que trabalhou seu destino. Desse modo, Colocar estes conhecimentos como força formativa a serviço da educação e formar por meio deles verdadeiros homens (...) é uma ideia ousada e criadora que só podia amadurecer no espírito daquele povo artista e pensador. (JAEGER, 2003, pag. 9). A nós caberá, ainda, imaginar  que nada se constrói em um só segundo muito menos a formação de um povo e sua história. Esse legado teve como estratégia o aprofundamento de estruturas psíquicas de forma doutrinária desde os estádios primitivos de crescimento individual até a formação ideal, porém dentro da coletividade social e de acordo com os ideais de  vontade; pois, á medida que avançava-se no caminho do crescimento, ia-se gravando na consciência a clareza da finalidade atribuída à formação de um elevado tipo de homem (JAEGER, 2003, pag. 7). 

Para W. Jaeger, a Paidéia  nos fala de um humanismo como norteador da formação e esta era a intenção primeira dos gregos antigos: um constante aperfeiçoar‑se. Notoriamente, esse foi o reflexo plasmado nas gerações posteriores. Assim sendo, se tal fato não fosse real, já teria se perdido nos porões do palimpsesto da memória e caído no esquecimento da história da humanidade. Porém, o que ocorre é um paradoxo, aquilo nos encanta é também o que nos põe em estado de alerta diante da realidade: os sintomas presentes como desordem na formação da sociedade. Assim sendo,  como a  "Paidéia" permanece presente na cultura ocidental até os dias atuais, fica em cada um de nós a pergunta: o que dela nos restou se não apenas o que sobrou de um grande idealismo formador de seres humanos tão melhores? Será que não vale repetir o modelo?

A rotina de um aluno de acordo com os preceitos da paideia
  • "Acordar logo ao amanhecer, e com a ajuda do pedagogo, o jovem lavava-se e vestia-se;
  • Refeição matinal e logo após, ida à palestra, para as aulas de música e ginástica;
  • Banho e regresso à casa para o almoço;
  • Retorno à palestra à tarde, para lições de leitura e escrita;
  • Ida para casa, sempre na companhia do pedagogo; estudo das lições, trabalhos de casa, jantar e enfim repouso.
  • Não havia finais de semana ou férias, exceto pelos festivais religiosos ou cívicos".
Conclusão

Um olhar reflexivo sobre a atualidade
O tema do XX Congresso Mundial de Filosofia organizado em Boston em 1998, destacou com relevância o conceito de educação grega, evidenciando um apelo para os  historiadores, filósofos e educadores contemporâneos, reafirmando ser uma proposta válida para a sociedade de hoje, considerando que a educação tem se caracterizado pela fragmentação e superficialidade, com grandes perdas de referenciais morais sólidos. Como observou Daise Diniz,
"A educação, para nossos antigos filósofos, foi acima de tudo um exercício para o bem viver em comunidade, uma convivência calcada, sobretudo, na responsabilidade para com os outros e no respeito mútuo, que instaura a harmonia e preserva a dignidade entre os seres. A razão humana, no que tinha de mais sublime, era enfocada no ato de educar. [...] A questão que fica para nós é como estamos lidando com essa herança grega, num mundo em que se convencionou dissociar o sucesso do desenvolvimento do caráter. [...] O ato de educar foi barbarizado, barbarizado pela apatia, pelo politicamente correto e pelas falácias produzidas pela mídia. Nesse sentido é que o ato de educar torna-se um tema vivo, por necessitar de constante reflexão. A reflexão sobre que seres e que sociedade desejamos para nossa geração e para as gerações futuras. Essa era a questão da paideia grega, uma vez que, na Grécia Antiga, educava-se para a vida em comunidade, em todas as suas nuanças. É preciso indagar se nossas práticas educativas têm ajudado para nos tornarmos seres melhores, posto que o ato de educar pode ser o motor da construção de sujeitos éticos dotados de responsabilidade, solidariedade e de caráter para dar novos rumos à história humana".
Alguns Projetos modernos de escolas de tempo integral no Brasil tiveram um currículo diversificado inspirado no antigo ideal grego de educação completa.  A Grécia Antiga deixou sua marca de dependência na cultura do ocidente pelos princípios adotados. Eis o que disse o filósofo Hans-Georg Gadamer: que um retorno aos gregos é para os ocidentais como que um reencontro consigo mesmos.

Bibliografia:
JAEGER, Werner Wilhelm. Paideia: a formação do homem grego. Tradução Artur M. Parreira. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 1986
RELVAS, Marta Pires. NEUROCIÊNCIA E TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM. Editora Wak, Rio de janeiro, 2011.
WEISS, Maria Lúcia. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizado escolar. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2000. 7ª edição
Acesso em 13 de março de 2017
Conceito de Paideia. Disponível em:
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CID 10 - Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde