domingo, 19 de março de 2017

Paideia: "Lugar dos gregos na história da educação"

Paideia: “Lugar dos gregos na história da educação”
Professora: Vannda Santana
Revisão: Márcia Vital
Toda educação é assim o resultado da consciência viva de uma norma que rege uma comunidade humana, quer se trate da família, de uma classe ou de uma profissão, quer se trate de um agregado mais vasto, como um grupo étnico ou um Estado.
(Werner Jaeger, Lugar dos gregos na história da educação).
Educação e formação dos gregos segundo princípios da Paideia
A Paideia é a fiel representação da educação na formação do homem grego. A  educação a que W. Jaeger se refere pode se aplicar com propriedade à palavra alemã Bildung (formação), no seu sentido pleno de forma completa e em seu todo. Desse modo, vale perceber o quão importante foi a metodologia de ensino aplicada na Grécia antiga e o verdadeiro objetivo que permeava tal concepção pedagógica.
Paideia (παιδεία) é um termo do grego antigo empregado para sintetizar a noção de educação na sociedade grega clássica. A palavra paidos (pedós) - criança  significava "criação dos meninos", referindo-se à educação familiar, aos bons modos e aos princípios morais.  A Grécia exerceu um  modelo de educação que tinha  por finalidade formar o homem em suas amplitudes morais e sociais.  Jaeger afirma que “A tendência do espírito grego para a clara apreensão das leis do real, tendência patente em todas as esferas da vida – pensamento, linguagem, ação e todas as formas de arte – radica-se nesta concepção do ser como estrutura natural, amadurecida, originária e orgânica.”

 Esta era a base de toda educação grega, vivenciada por uma preocupação consciente e com o caráter de atingir as melhores formas de existência humana dentro de uma prática organizada através do esforço consciente: o homem e a prática criadora, atuando em condições de manutenção e transmissão de suas organizações físicas e espirituais. E é através desse esforço físico e espiritual que era possível atingir o mais alto grau de intensidade consciente do conhecimento que se revestia de uma idealização no sentido da unicidade e da aplicação das leis ao conduzir o ideal do estilo.

Eis a verdade dos ideais educativos.  Os gregos que vivenciaram a educação com base na paideia  também tiveram seus problemas. Na literatura grega, por exemplo, houve um questionamento do conceito, seja na poesia, tragédia ou na comédia. Assim, os gregos tiveram de elevar seus espíritos para alcançarem melhores resultados, através do importante debate do estatuto com a questão filosófica dos Sofistas, logo depois  com Sócrates e Platão, seguido de Isócrates e, finalmente, com Aristóteles.  Desse modo, em meio à sociedade ateniense, a "paideia" passa a se referir a um processo de educação no qual os estudantes eram submetidos a um programa que procurava atender a todos os aspectos da vida do homem. Entre as matérias abordadas constavam a geografia, história natural, gramática, matemática, retórica, filosofia, música e ginástica.

O conceito que antes era preconizado originalmente exprimia o ideal de formação social do homem grego e este ideal  estava contido em outro termo: "aretê" (em grego, adaptação perfeita, excelência, virtude), dessa forma, explicitado nos poemas homéricos. A  aretê  era entendida como um conjunto de qualidades físicas, espirituais e morais, atributo próprio da natureza (como por exemplo, a bravura, a coragem, a força,  a destreza, a eloquência, a capacidade de persuasão e, enfim, a heroicidade). O alargamento do ideal educativo da aretê surgiu ao fim da época arcaica grega (por volta dos séculos VIII e VII a.C.), traduzindo-se na expressão "kalos kagathos" (kalos = bom; kagathos = belo, ou o bom e belo, em grego) da qual deriva o termo kaloskagathia, ou, a grosso modo, o cultivo da bondade ou do virtuosismo e da beleza, onde o homem era estimulado a alcançar a excelência física e moral além da honra e da glória.

A partir do século V a. C., o conceito de aperfeiçoamento do ser humano para o bem da sociedade como um todo segue em plena evolução. A noção agora vigente é que, para além de formar o homem, a educação deve ainda formar o cidadão, deixando de ser suficiente a simples e antiga educação baseada na ginástica, música e gramática.

O conceito acabado da paideia torna-se o ideal educativo da Grécia clássica. Com o tempo, passou a designar o resultado do processo educativo que se prolonga por toda vida, para muito além da escola. Até os dias de hoje seus ideais são imitados em praticamente todo o mundo, como um perfeito entendimento de formação social do ser humano.

A Educação Grega como exemplo para os dias atuais 
A distância compreendida desse período da Grécia Antiga  para os dias atuais não guarda hoje nenhuma semelhança com a educação contemporânea que temos no Brasil. Muito pelo contrário. A educação se perdeu do “homem” e o homem da educação.  No crescimento da sociedade a imagem está desconfigurada diante da realidade, longe do que se poderia chamar de ideal. E o destino da educação parece  resvalar  para a margem da história, agarrando-se a fragmentos de referências teorizadas mas sem nenhuma identidade moral que os autentique para um padrão de modelo. A imagem desenhada da educação atual deixou marcas de um esfacelamento total; traços amorfos se apresentam no caráter educativo como descrédito dos valores morais e sociais, um viés patológico como causa e talvez como consequência.

 A partir desse perfil, é possível vislumbrar resultados no sentido de alcançar melhores condições educativas, ainda que seja através de uma teoria, um idealismo formal ou uma concepção dialética;  mediada por uma grande reforma. Lamentavelmente, esses critérios não atingem a consciência coletiva; e a educação, como vítima, fracassa. E o homem vitimado pelas mesmas circunstâncias também fracassa em seu caráter. E o Estado perde com a deformação do todo.

Entretanto, o ideal dos gregos já teria desaparecido ao longo do tempo se o homem grego não tivesse exercido com eficaz pertinácia sua própria história, colocando como expressão de altíssima vontade aqueles ideais com que trabalhou seu destino. Desse modo, Colocar estes conhecimentos como força formativa a serviço da educação e formar por meio deles verdadeiros homens (...) é uma ideia ousada e criadora que só podia amadurecer no espírito daquele povo artista e pensador. (JAEGER, 2003, pag. 9). A nós caberá, ainda, imaginar  que nada se constrói em um só segundo muito menos a formação de um povo e sua história. Esse legado teve como estratégia o aprofundamento de estruturas psíquicas de forma doutrinária desde os estádios primitivos de crescimento individual até a formação ideal, porém dentro da coletividade social e de acordo com os ideais de  vontade; pois, á medida que avançava-se no caminho do crescimento, ia-se gravando na consciência a clareza da finalidade atribuída à formação de um elevado tipo de homem (JAEGER, 2003, pag. 7). 

Para W. Jaeger, a Paidéia  nos fala de um humanismo como norteador da formação e esta era a intenção primeira dos gregos antigos: um constante aperfeiçoar‑se. Notoriamente, esse foi o reflexo plasmado nas gerações posteriores. Assim sendo, se tal fato não fosse real, já teria se perdido nos porões do palimpsesto da memória e caído no esquecimento da história da humanidade. Porém, o que ocorre é um paradoxo, aquilo nos encanta é também o que nos põe em estado de alerta diante da realidade: os sintomas presentes como desordem na formação da sociedade. Assim sendo,  como a  "Paidéia" permanece presente na cultura ocidental até os dias atuais, fica em cada um de nós a pergunta: o que dela nos restou se não apenas o que sobrou de um grande idealismo formador de seres humanos tão melhores? Será que não vale repetir o modelo?

A rotina de um aluno de acordo com os preceitos da paideia
  • "Acordar logo ao amanhecer, e com a ajuda do pedagogo, o jovem lavava-se e vestia-se;
  • Refeição matinal e logo após, ida à palestra, para as aulas de música e ginástica;
  • Banho e regresso à casa para o almoço;
  • Retorno à palestra à tarde, para lições de leitura e escrita;
  • Ida para casa, sempre na companhia do pedagogo; estudo das lições, trabalhos de casa, jantar e enfim repouso.
  • Não havia finais de semana ou férias, exceto pelos festivais religiosos ou cívicos".
Conclusão

Um olhar reflexivo sobre a atualidade
O tema do XX Congresso Mundial de Filosofia organizado em Boston em 1998, destacou com relevância o conceito de educação grega, evidenciando um apelo para os  historiadores, filósofos e educadores contemporâneos, reafirmando ser uma proposta válida para a sociedade de hoje, considerando que a educação tem se caracterizado pela fragmentação e superficialidade, com grandes perdas de referenciais morais sólidos. Como observou Daise Diniz,
"A educação, para nossos antigos filósofos, foi acima de tudo um exercício para o bem viver em comunidade, uma convivência calcada, sobretudo, na responsabilidade para com os outros e no respeito mútuo, que instaura a harmonia e preserva a dignidade entre os seres. A razão humana, no que tinha de mais sublime, era enfocada no ato de educar. [...] A questão que fica para nós é como estamos lidando com essa herança grega, num mundo em que se convencionou dissociar o sucesso do desenvolvimento do caráter. [...] O ato de educar foi barbarizado, barbarizado pela apatia, pelo politicamente correto e pelas falácias produzidas pela mídia. Nesse sentido é que o ato de educar torna-se um tema vivo, por necessitar de constante reflexão. A reflexão sobre que seres e que sociedade desejamos para nossa geração e para as gerações futuras. Essa era a questão da paideia grega, uma vez que, na Grécia Antiga, educava-se para a vida em comunidade, em todas as suas nuanças. É preciso indagar se nossas práticas educativas têm ajudado para nos tornarmos seres melhores, posto que o ato de educar pode ser o motor da construção de sujeitos éticos dotados de responsabilidade, solidariedade e de caráter para dar novos rumos à história humana".
Alguns Projetos modernos de escolas de tempo integral no Brasil tiveram um currículo diversificado inspirado no antigo ideal grego de educação completa.  A Grécia Antiga deixou sua marca de dependência na cultura do ocidente pelos princípios adotados. Eis o que disse o filósofo Hans-Georg Gadamer: que um retorno aos gregos é para os ocidentais como que um reencontro consigo mesmos.

Bibliografia:
JAEGER, Werner Wilhelm. Paideia: a formação do homem grego. Tradução Artur M. Parreira. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 1986
RELVAS, Marta Pires. NEUROCIÊNCIA E TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM. Editora Wak, Rio de janeiro, 2011.
WEISS, Maria Lúcia. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizado escolar. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2000. 7ª edição
Acesso em 13 de março de 2017
Conceito de Paideia. Disponível em:
Links para DSM 5
Links para o DID 10

CID 10 - Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde




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