terça-feira, 25 de setembro de 2012

Abstração: Observação do objeto estético no contexto do olhar


Este artigo resultou da percepção de um "olhar" as imagens da pintura de um óleo sobre tela da artista Márcia Vital
Por: Vannda Santana

Rosácea - óleo sobre tela
O espectador diante do objeto:

O lugar da percepção diante do objeto, espaço virtual, é a interpretação da observação de um olhar questionador, ao contemplar a pintura que não quer ser estática. Do centro para as bordas, os corpos giram e, aos poucos, as Formas parecem subverter a ordem. O espectador continua impactado, em estado de êxtase, de olhos fixos cravados na tela, observando os pontos que ligam o objeto às imagens. Ilusão de ótica? Não. Não é ilusão, é arte numa fusão de corpos; é a arte gerando vida na tela com pele  e osso na imagem rosada, pelo pintor esculpida. O olhar do observador, distingue corpos opostos de tinta e óleo, fecundados por uma paleta mágica de células e penumbras comprometidas com o espaço de uma rosácea sensual. Fenomenologia ou visão gestáltica?

 Segundo Merleau-Ponty: “Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o  sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos  da ciência  não poderiam dizer nada.”  É desse modo que o olho insiste em ver na Forma o que não é uniforme; e, dentro da forma pululam imagens míticas que transitam contorcidas, acopladas, copuladas, como personagens que geram e encenam em sépalas o cálice do encontro entre luz e sombra onde há mais sombra que luz. As cores de terra se vestem de sensualidade para o gesto imobilizado do abraço entrelaçado. Uma visão, ou alucinação?

A obra de arte no quadro Rosácea sugere conceitos entre o real e o simbólico, apontando para uma releitura da imagem em movimento, onde criaturas diáfanas, dionisíacas, assemelham-se a uma escultura surreal. Foucault afirma que nenhum olhar é estável. Assim, diante do exposto, acredita-se num olhar que amplie o seu modo de ver o objeto de arte de acordo com a sua estrutura cultural.

O quadro, o qual estamos contemplando agora, nos remete a múltiplas visões. Percebemos  figuras renascidas da aurora boreal e do caos imaginário, porque é nesse caos que elas se refazem e se realizam no útero-espaço em espiral, espaço circular, porque é também deste que a arte objetiva-se como princípio germinal e ponto primordial.

O que uma tela ou uma obra de arte pode apresentar para os nossos olhos, perante o que vemos e o que sentimos com as imagens que construímos em nosso imaginário? A artista Márcia Vital, talvez não tenha tido a intenção de impactar a nossa percepção com seu trabalho de arte nesse quadro “Rosácea”. Porém, o que a arte no quadro nos revela, não nos imobiliza; ao contrário, nos conduz a ver o que nela se desencadeia através de um simples jogo de cores que se fundem entre o barro e as centelhas do bronze. Assim, a obra de arte da pintora Márcia pode ser lida como se lê um poema, da qual se pode também sentir o grau de emoção.

 Para um olhar aguçado de qualquer espectador  atento, tudo pode ser desnudado. A pintura, emprestou-nos o visível e o invisível, permitindo-nos a sensação do percebido para além da superfície: o outro lado, por dentro da obra, na sua mais íntima face, a face oculta  que não escapa ao olhar  daquele que pode ver.

Talvez, de todas as representações no modo de olhar um quadro, o Rosácea, como objeto de arte, parece cumprir uma função que atravessa a tela no deslocamento do olhar para fora do limite de onde a imagem se estrutura, criando, assim, uma ligeira ilusão simbólica do espaço em movimento. As imagens parecem se projetar em círculos, seladas pela curva de corpos ambíguos de pincel e tinta que as unem uma a outra do centro para as bordas. Não são apenas sombras que o véu de rosas faz girar, nem só refrações que nos cegam o olhar, mas sim o que está por trás desse objeto de arte: espaço abstraído e subvertido pelo olhar. A arte é, portanto, mestra em gerar ambigüidades em nossa percepção de acordo, com a acomodação ou a inquietação no modo de olhar.

  Segundo Lacan, da mesma forma que o esquema ótico permite demonstrar que o imaginário é determinado pelo simbólico, tal esquema também demonstra que as imagens são estruturadas pelas leis da ótica e que a visão depende de um ponto de vista específico (Chatelard, 2005).

Ao terminar este artigo, penso que existam várias formas de se ver uma imagem e vários sejam os modos de interpretá-la; ou seja, talvez,  possamos inscrever a imagem como significante de uma interpretação, assim como afirma P. Bruno:

É preciso renunciar ao significado da imagem, para constituí-la  como elemento de escrita e para poder apreende-la por sua face significante, por sua estrutura material de palavras.

Conclui-se que há muitas formas de olhar o objeto de arte, assim como nossas retinas podem ganhar lentes de aumento e que nossos olhos podem até delirar  como tantos ébrios, pois a arte também está no olho ao participar do gesto que se coloca dentro da  cena.

Amigo leitor, deixo-o com o belo que seus olhos possam ver, do ato seminal até a dança de uma cadência de ritmos e delírios; mas fique, sobretudo, com o quadro real  e com o instante perceptível de uma observação quase ritualística.

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