Mar, mar e mar. Águas
salgadas, por-do-sol, veleiros e faróis são os ingredientes mágicos e os
elementos de transformação do fictício que residem na imaginação do artista,
para ser manifestação ideal do real, através da palheta alquímica do pintor.
O que faz do artista ser
um pintor? E priorizar em suas
idealizações uma forma de arquitetura
como os faróis? Eu não tenho resposta para tal pergunta.
Talvez o homem e a obra de arte sejam uma “coisa só”, unidos numa espécie de fusão‑andrógina
capaz de resgatar do imaginário, através do processo simbiótico e, de lá,
deixar nascer o “filho de sua construção”: a obra de arte.
Assim, os faróis nascem emergidos
das profundezas oceânicas, iluminando ou iluminados de por‑do‑sol. E lá sempre estão
eles como ícones sinalizadores e solitários: altos, opacos ou coloridos; tristes
ou alegres, mas altamente ativos em suas funções. Atentos em sua solidão,
marcando o ponto de chegada e o princípio da partida. Um olhar para os que se
encontram perdidos, um olhar piscando na escuridão da noite, anunciando a
esperança e o caminho. Imerso em total solidão e refletindo o silêncio como quem
exibe sua ambivalência, vive o farol cumprindo seu papel. Porém, na tela do
imaginário de quem escreve ou pinta; o farol também reflete luz.
Desse modo, o artista cria imagens que irão vestir de solidão a
alma feliz do farol. Tinge-o com as mais
belas tintas; glorifica-o como um estandarte e dá-lhe a imponência de ser ele
um ser exuberante. Assim sendo, o objeto de arte segue sinalizando a procura
que aponta para o alvo ao mesmo instante
em que ascende para o inesperado desejo
do encontro. E, na condição de um pirilampo orientador, cumpre o farol seu real
e fiel papel: ser sempre o solitário da vigília na densa escuridão da noite. E
o farol vive no ritual de sua função, mergulhado no breu do mar, sendo
quase um mito de adoração, erguido como
figura limite no infinito distante de fixos olhares. Neste instante, vê-se a
luz no final do túnel.
Será o farol o espelho
refletido que a mão sonhadora do artista teima em ver materializado em sua ficção
imaginária? Ou será a obra de arte que se faz pronta como construção
arquetípica ao se constituir no próprio ser da arte? A expressão de
criação artística surge do
transbordamento da consagração do
pintor. Esta é a paixão que o objeto de arte desperta em todos os olhares
fortes; e refletindo imaginações figuram como lentes onde não caberão análises, nem palavras que possam
definir a estreita conexão entre a manifestação e a intenção que leva artistas
e suas obras a se fundirem em tais convergências semânticas.
Aí está uma simples relação no âmbito social
dessa reunificação, homem e arte, sujeito e objeto: indissoluvelmente ligados.
Esta é a fusão simbólica e de comunicação mítica.
Assim sendo, antropólogos, psicanalistas e
semiólogos se debruçam sobre essa semântica que fundamenta o dinamismo
organizador da imagem como força modelar de representação da realidade caótica
em uma desordem‑organizadora. A criatividade tenta dar conta do fenômeno da
obra de arte; mesmo que esta flutue. Mas,
segundo o artista, ele expressa as tendências sociais de seu tempo consciente
ou inconscientemente. Porém, as formas de expressão irão encontrar sua função
mais autêntica, quando são atingidas pelo desafio do enfrentamento cotidiano, com
os limites do saber tácito desembocando para além do saber artístico.
O processo criativo
simboliza, sobretudo, a significação com a restauração do encontro da unidade com a divindade – Eros
e Tânatos – que coexistem e convivem
nesse ponto primordial. Essa fusão que se dá no encontro mítico, metáfora
precária que pretende subordinar o sublime instante do “ato de criação”, traça
o perfil imaginário, onde um nasce do
outro e, assim, se fazem – ser e
criador – do objeto de arte, processo de
uma metáfora que se plasma como
realidade do ato de criação.
E o farol está lá, nas
águas temperadas das ninfas de sol e mar, do sal e das alvoradas. Mas as minhas
palavras estão aqui. Porém, se mais
quiserem saber, hão de mergulhar na
plasticidade de muitos aventureiros que se perderam em mares de outrora. Mas,
se ainda persistirem, hão de encontrar construtores, artistas, escritores, usando
a solidão dos faróis para neles e com eles se encontrarem. Portanto, ofereço-lhes
mil e um faróis para serem lidos em poesias, contos e crônicas ou nas telas,
cujas palhetas em aquarelas, tentarão exprimir o indizível de qualquer olhar
que queira ver e sentir a solidão feliz do farol.
Fonte:
SANTANA, Vannda. O avesso e reverso na ponta da pena. Oficina Editores, Rio de Janeiro, 2007.
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