segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O FOG MODIFICANDO IMAGENS E ALTERANDO EMOÇÕES


O Fog modificando imagens e alterando emoções




O Fog, tal como um personagem em ação, veste o dia com suas espessas franjas brancas e  navega entre montanhas e vales  no sabor do vento. E o Fog vibra com  suas diáfanas cortinas  que bailam em movimento: se faz de “arteiro” do tempo e tolda a nossa visão; modifica o cenário de bairros e lugares, veste de branca névoa, imagens de  árvores e casas. Enquanto dura essa façanha, empresta aos nossos pobres olhos em segundos, um novo cenário para  um outro vislumbrar.


Vannda Santana


“Se fossemos verdadeiros peritos em climatologia, se conhecêssemos verdadeiramente os sutis mecanismos do tempo atmosférico, saberíamos que a influência do homem sobre o clima é um tema tão antigo como a própria humanidade.”[1]

As emoções compõem os sentimentos do homem ao longo de sua história e exercem um poder mágico nas relações sociais e individuais. Portanto, as emoções parecem receber  influências geográficas de tempo e clima, interagindo-os às percepções afetivas de espaço e lugar, modificando comportamentos emocionais e de humores. E o Fog? Este nos parece ser o grande “vilão” dessa estória. Com seus pincéis  e paletas invisíveis, vai “pintando” o cenário  da natureza, modificando imagens e paisagens, colocando brancas cortinas de vapores nas casas e nos telhados, nos campos e nas árvores. O Fog? Também brinca de esconde-esconde a qualquer hora da noite ou do dia.

Segundo estudiosos de climatologia e meteorologia dizem que o tempo corresponde às condições atmosféricas existentes num dado momento e numa dada região e, enquanto o clima, corresponde às condições atmosféricas médias em relação a sua variação ao longo do ano numa dada região. E isto quer dizer que o tempo traduz um estado atual da atmosfera, ao passo que o clima representa um estado médio da atmosfera. Como o Clima resulta, em última análise, de uma sucessão de estados de tempo, pode-se defini-lo melhor como sendo “a sucessão mais frequente dos diversos estados de tempo ao longo do ano”.[2]

Partindo do empréstimo dessa leitura sobre o tempo e o clima podemos rever a história do homem num determinado tempo e a sua relação climática com as variáveis de emoções. Pode parecer utopia relacionar estado psíquico com o estado físico por estar num determinado lugar sob os efeitos de acontecimentos externos da natureza. Mas sabemos que esses eventos de transição naturais podem causar predisposição para desenvolver certos tipos de doenças de situações sazonais climáticas e diversas. Assim, temos uma relação com o desencadear de sintomas que propiciam o estado de tristezas ou de alegrias e, dessa forma, ao serem afetados por tais influências, o corpo refletirá o clima e a psique, o estado do tempo  e do lugar.

É comum sentirmos uma sensação de bem-estar quando percebemos um lindo dia de sol. E é mais comum ainda vermos as flores exuberantes de um jardim num dia de chuva. Mas é extremamente comum vibrarmos com as crianças nas águas frias de uma cachoeira num dia de extremo calor. Entretanto, todas essas reações passam pelo efeito do olhar e do sentir essas alternâncias de tempo e de lugar com suas regulações climáticas.

Talvez, este seja um estudo que mereça maior observação do estado de emoção, modificado pelo efeito do clima com as variáveis do tempo. Esses dados de interferências de comportamentos específicos e de influências da natureza que atingem o emocional do individuo requer maior atenção e não é a nossa proposta neste artigo. Apenas para ilustrar nosso ensaio sobre essas reações climáticas que tomam conta do corpo e da psique do ser humano, lembro-me de um caso de uma moradora de Petrópolis que dizia ter três meses de criação cultural, três meses para plantação e os demais meses para viver a depressão. Perguntado a ela qual era a causa dessa depressão, ela responde de imediato: acordar sem sol é quase comum, com chuva também, mas com fog por vários dias reforça em nós a idéia de solidão, de um vazio infinito, de um exílio coletivo onde o outro não é visto, sequer sentido, apenas imagina-se que ali estaria esse outro ou uma casa com pessoas, mas que os olhos não conseguem ver.

 Entender esse tipo de solidão como “sintoma” de depressão não é uma afirmativa. Mas sabemos que é uma característica de lugares frios esse fenômeno climático. Porém, o que nos remete para esse lugar é a possibilidade de um olhar menos banalizado sobre a questão da depressão, sem ter de passar pelo rótulo de doença sazonal ou então, pela crise da introspecção que os diversos sintomas aparentes sugerem. Entretanto, as emoções causadas pelo Fog, surgem provenientes de uma situação climática, sinalizando uma predisposição (boa ou ruim) em pessoas sensíveis, causando alegrias ou tristezas e, às vezes, uma introspecção, como estado de solidão. Portanto, podemos até dizer que se trata de uma “solidão coletiva” vivenciada pela invisibilidade desse “outro”, de um “outro” que se encontra por trás de uma janela fechada. Ou ainda, camuflado dentro de uma nuvem branca e diáfana.

   O estado emocional de estar num determinado lugar, num tempo qualquer, corresponde a uma situação que aparentemente nada tem a ver com a situação da meteorologia  existente numa dada região. Entretanto, quando se faz um passeio por regiões de serras montanhosas com seus riachos contornando os relevos, nos faz contemplar belas pastagens eleva nosso olhar para um vislumbrar o mais pleno estado de alma o que nos permite fantasiar emoções ao emitir em nosso corpo sinais ópticos que são transformados em fenômenos químicos formando uma rede axônios de neurônios de felicidades por viver aquele momento paradisíaco como se fosse único. Esse complexo emocional, passa pelos órgãos da percepção e os estímulos sensoriais respondem pela  mensagem que tem como significado a emoção. Segundo (DELGADO) existem várias formas de emoções e muitas reações emocionais e, para ele, nem todas requerem compreensão,  assim, afirma o autor:

As emoções são usualmente determinadas por uma combinação de percepção e lembrança, porquanto a interpretação dos sinais recebidos depende em grande escala das experiências passadas e a lembrança é muitas vezes iniciada e modificada por estímulos ambientais.[3]

Voltando ao tema que deu origem a este texto – O Fog modificando imagens e alterando emoções – caracteriza-se para além dos elementos meteorológicos com seus estímulos externos, o que nos chamou à atenção, debruça-se  para as reações físicas e psíquicas de estímulo perceptivo. Dessa mera observação, surge a indagação como possibilidade de investigação fenomenológica das emoções: quais desses elementos da natureza teria maior incidência sobre a geografia das emoções: o tempo ou o clima? Talvez, esse seja o maior mistério e de maior dificuldade para fundamentar futuras pesquisas, o que não é o nosso objetivo neste artigo. Fica aqui apenas sugestões,  cuidar em amenizar a dor da alma humana que sofre e sente depois do corpo revelar-se em sintomas depressivos e nostálgicos.

Para melhor esclarecer as diferenças conceituais entre a depressão e um momento depressivo por depressão normal seria necessário comparar a diferença que há entre clima e tempo. Clima e tempo não são a mesma coisa. O tempo é representado pelas condições atmosféricas de um lugar em determinado momento. Já o clima é a sucessão habitual de tipos de tempo em um local na superfície da Terra. O tempo pode mudar de uma hora para outra, enquanto o clima é mais duradouro, não muda com tanta facilidade. O estudo do clima inclui o conhecimento de elementos importantes, como temperatura, umidade, massas de ar, pressão, ventos e precipitações. O tipo de clima depende de uma série de fatores, como latitude, altitude, relevo, distribuição das terras e dos mares, radiação solar etc. Sabemos que até mesmo o ser humano pode alterar o clima com suas interferências na natureza.


 Portanto, nessa pequena demonstração estaria o clima – como estado de humor – e o tempo – como fator de variações. Neste caso, um paciente deprimido teria dias melhores ou piores enquanto que em ambos os dias, qualquer pessoa poderia ter suas tormentas: ora com dias ensolarados, ora com chuvas e trovoadas. Portanto, comparar as fases  de um baixo astral com o estado de depressão, seria um grave erro e não estaríamos falando da mesma coisa. Ninguém pode afirmar o que um deprimido sente, só ele mesmo. O psicanalista ou o psiquiatra podem até reconhecer os sintomas de seu paciente, mas jamais saberão entender na íntegra o que representam esses estados de sentimentos e sofrimento no corpo e na alma desse ser humano.[4]

               
Uma pessoa deprimida precisa de sol e o papel da atmosfera é fator determinante. Quando o céu está claro os raios solares nos atinge com maior  quantidade de calor, fixando em nossos corpos a vitamina D, elemento de grande importância em nossas vidas.  Com o céu nublado, tudo parece escurecer, até o interior da casa e dos corpos ficam mais frios e escuros. A falta de exposição à luz solar, em caso extremo, pode levar a esse tipo de depressão já falado anteriormente e conhecido como Depressão Afetiva Sazonal (Seasonal Affective Disorder -SAD). Esse tipo de depressão foi reconhecido pela primeira vez pelos cientistas do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA em Bethesda, Maryland, nos anos oitenta. Em 1987, a depressão afetiva sazonal também foi reconhecida como um tipo de depressão pela Associação Psiquiátrica Americana, que desenvolveu um diagnóstico específico para o problema. A doença atinge homens e mulheres de todas as raças e idades, inclusive crianças, mas a tendência é que mais mulheres do que homens sejam afetadas. Pesquisas revelam que há quatro mulheres para cada homem com depressão sazonal. Quanto mais longe da linha do Equador a pessoa viver, mais chances terá de sofrer de depressão sazonal.



Os sintomas mais comuns de depressão sazonal são:


>alterações drásticas de peso e apetite

>baixo nível de energia física
>exaustão e fraqueza
>insônia ou sono prolongado
>isolamento
>letargia
>ansiedade, desespero, carência
>falta de interesse pelas tarefas do cotidiano
>pouco ou nenhum apetite sexual
>falta de concentração e raciocínio lento
>incapacidade de tomar decisões
>sentimento de culpa
>auto-flagelação e fatalismo
>ataques de choro, angústia, pensamentos suicidas


À guisa de conclusão, informamos que os sintomas com alterações climáticas e  com predisposição à reação psicofísica foram meras observações de convivências com pessoas moradoras da cidade de Petrópolis no período de  1998 a 2004.  Além dessa observação, na qual se apoiou este escrito, outras fontes deverão ser consultadas.






[1] Aguiar, João (2002): Que Tempos!, In :Super Interessante nº 45.
[2] http://profjeferson1.blogspot.com/2008/09/os-climas-da-terra.html
[3] José M. R. DELGADO. Emoções. Editora da Universidade de São Paulo – Livraria José Olympio Editora, p. 32.
[4] http://www.klickeducacao.com.br/materia/16/display/0,5912,POR-16-44-630-,00.html

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Lendas e "Causos" - Erotildes e o Sabugo de Milho


LENDAS E “CAUSOS”

Erotildes e o sabugo de milho

Uma história dentro das histórias da coletividade humana

 

 

“Lenda que se difundiu e vive nos lábios do povo, jamais morre, porque é deusa imortal.”

(Hesíodo, 736)

 

 

Lendas e “causos” sempre povoaram a memória coletiva da humanidade com suas peripécias coloridas e, às vezes, adornadas por um certo mistério. Relatos primitivos com recheio de frases e linguagens ritmadas, concisos em sua forma de representação, possuíam uma fórmula verbal que os caracterizavam: “era uma vez” . Assim era o verbete em quase todas as canções e versos como sustentação da oralidade. Talvez, pela falta de consciência do próprio ser em relação ao tempo, nem todos os relatos tiveram registro em suas escrituras, e o que nos chega ao conhecimento se fundamenta na oralidade popular.

 Historicamente, são essas concepções e ações que irão nortear o imaginário humano. Ouvir uma história é vive-la; e deixar-se impregnar por tais influências é um dos caminhos para se ampliar a consciência. Os relatos primitivos do pensamento filosófico desde a Antiga Grécia até os dias atuais percorreram toda a tradição desde Platão. Com o avanço da escrita através dos séculos, uma marca histórica desse pensamento ocidental aproxima a linguagem oral da linguagem escrita, assinalando, assim, um trânsito de existência cultural inscrita no inconsciente de cada sociedade. Essa evolução acontece pela urgência de expressão e esta só se realiza  quando a experiência se totaliza e se completa através dos arquétipos e de elementos, tais como o mito, a religião, o sagrado e o profano. Esses elementos arquetípicos ao apropriar-se do pensamento e da imaginação, cedem lugar às tramas e teias da consciência humana, num movimento de fantasia e de verdadeira expressividade, tanto na forma de exaltar, como na de cultuar a existência ao apropriar-se das imagens da natureza.

 

Do longínquo passado, resta-nos a maravilhosa tradição com vestígios de antigos mitos, de celebrações sobre divindades, de experiências religiosas e culturais. E é a partir dessas experiências, entre a imaginação e a realidade de mundos tão distantes, que surge um ponto comum na história dos povos - o poder criativo e imaginativo, fantasiando e criando estórias. Diz Nicolescu que a imaginação verdadeira engendra assim a realidade, num contínuo brotar, numa perpétua gênese.[1] Sobre a imaginação, Pierre Deghaye afirma ser a faculdade de produzir imagens. E entre a fantasia e a realidade, estão os registros imaginários, quer sejam na escrita do real ou na ficção com suas imagens. Mas é dessa imaginação verdadeira que, de certa forma, também pude resgatar heranças culturais que hoje, neste relato, exponho a estória de Eroltildes.

 

 Esse legado da história de hábitos, costumes e crenças da humanidade, atravessou o tempo e participa da memória contemporânea desde os mais antigos povos. Portanto, é possível ler o passado através dos tempos e é possível compreender o presente naquilo que se ouve das variadas etnias de grupos sociais com seus ritos culturais conservadores. Desse modo, as Lendas se fundem com os Causos que, a partir de então, passam a ser fato comum ou história do cotidiano de cada povo e não importa a sua origem.

E aqui vai o “causo” de Erotildes e o sabugo de milho – uma estória dentro da história – um acontecimento real. O episódio se desenvolve delineando-se através de imagens engendradas no inconsciente familiar e é desse modo que a narrativa ganha status de conto: uma realidade tingida de fantasia literária no frescor dos dias atuais. Encontrei na linguagem natural dos meus familiares os elementos que conduzirão o motivo do fato real ao objeto central da estória. Quando me propus a escrever o que aconteceu com a menina Erotildes, pensei ser possível descrever os fatos  sem ter que maquiar certas figuras de linguagem. Porém, a força da palavra tenta impingir sua ação aos elementos da narração. Fiz, então, uma breve retrospectiva da árvore genealógica em busca dos costumes caseiros pautados na realidade de suas vidas; o instante onde surge a estória real e o momento quando ela passa a ser recontada com mero requinte entre as antíteses e os paradoxos, resultando em hipérboles no processo do reinventar. Mas não é isto que se diz: quem conta um conto aumenta um ponto? Aqui, o causo não poderia ser diferente.

 E foi assim, vivenciando essas estórias tão reais e algumas supostamente imaginárias, mas narradas pelos meus antepassados que ousei atrever-me a exercer tal função neste escrito. Essas marcas do real estão, por assim dizer aqui  recheadas de “enigmas” e ainda falam de um tempo marcado por faltas elementares, de uma época sem rádio, sem televisão e sem livros, mas amalgamados por infinitas fantasias em minha mente. E é dessa trama extraída do real, que proponho escrever este conto, ora resvalando na ficção imaginária, ora tecendo o fio da trama nos fatos reais, que foram contados por minha avó, mãe e tias. Se você leitor quiser saber mais sobre o que aconteceu com Erotildes e o Sabugo de Milho, vai ter de seguir comigo até um lugar chamado Queima Sangue, em Paraíba do Sul. Então, vamos lá.

Primeiro ato:

Era uma vez uma menininha muito loirinha igualmente sapequinha, de corpo franzino, de pés descalços e de vestidos rodados, rodopiava cirandas no chão de barro pisado. Foi então, quando, inesperadamente, escorregou no sabugo de milho e de fato caiu, fraturando o ilíaco.

Segundo ato:

Entra em cena dona Hercília, mãe da menina Erotildes, senhora de um currículo invejável, mateira, raizeira, rezadeira, parteira, entre muitas outras habilidades. Hercília, como o próprio nome indica, significa orvalho ou seja, senhora da “natureza”. E ela era assim: razão-e-ação em suas atitudes, obedecendo sempre aos seus instintos numa relação  íntima com a natureza.  Das muitas virtudes dessa mulher incrível que foi minha avó, algumas transbordam em sua sabedoria natural, outras atitudes acompanham a grande capacidade de tudo resolver com aparente serenidade, muita intuição e uma inigualável coragem sem distinção. Do pouco contato que tive com ela na minha infância, nada melhor e mais eficaz que ouvir o ressoar das vozes sobre os seus feitos. E a prova significativa de sua obra ficou para sempre marcada no corpo de sua filha Erotildes. Acredito que nenhuma outra mãe teria vivenciado tal dissabor com a relevância de saber colocar de lado a sua própria tensão e angústia e, assim, agir com naturalidade e aparente frieza, coragem e qualidades necessárias naquele instante decisivo. Portanto, esse era um dos seus maiores quesitos: ousadia.

 Minha avó Hercília era fisicamente magra, morena, cabocla brejeira, estatura mediana, mais para alta; além de leve e lépida feito um azougue, tinha no olhar um aspecto desconfiado. Neste breve intróito, quero destacar que, apesar do meu pouco contato com essa avó índia na origem e nos hábitos, severa nos costumes e decidida ao extremo tanto na forma de ser, como no modo de viver e de ver a vida existe algo que nos aproxima. Entre mim e minha avó, apesar de não haver muitas semelhanças, de repente, salta do íntimo um ponto comum de grande convergência.  Na aparência física nada nos aproxima, mas no modo de ser há qualquer coisa desse nada que nos une em nosso DNA e talvez residam na genética os traços mais ancestrais. Desses registros, a intuição é uma marca singular. Mas o que realmente predomina é o nosso interesse comum (meu e dela) pelas coisas da natureza, pelo conhecimento das ervas medicinais com o seu encanto e seu poder de cura. Haja vista a minha vocação profissional a qual dedico todo o meu tempo em pesquisas constantes como terapeuta. Desses registros, a intuição é uma marca singular. Dos atributos herdados de minha avó, esta foi a minha herança.

 

Eu era ainda menina quando passei a ouvir, pelos cantos da casa, a história da tia Erotildes. Como qualquer criança, não me faltava curiosidade. Ficar, portanto, de ouvidos atentos aos assuntos e aos feitos de minha avó Hercília era algo instigante. À medida que o tempo passava, crescia em mim um maior interesse pelo caso da menina Erotildes (minha tia). Um dia fiz minha mãe contar a estória várias vezes seguidas. Quanto mais minha mãe recontava a estória, maior minha avó se tornava diante dos meus sentidos, mas, curiosamente, quanto mais sua figura impar  ganhava uma dimensão imensa sobre seus feitos, mais distante ela ficava dos meus olhos, tal como um ídolo intocável.  No desenrolar da estória ela era um mito real que se estruturava em minha cabeça. Dona Hercília, figura mítica, uma espécie de deusa – quase inatingível. Aí, eu cresci (não muito) e estou aqui contando esta estória para você.

 

Erotildes, a filha de dona Hercília, que deu origem a este conto, carrega a marca de uma saga heroica – vencer não somente a dor, mas o desajuste que o acidente lhe traria com o tempo e em seguida o resultado como causa e consequência. E é nesse momento que a estória perde seu e minúsculo para ganhar um H maiúsculo – uma verdadeira “História” – passaporte para entrar em ação.

Terceiro ato:

Tinha a menina seis anos de idade quando o episódio aconteceu. Como toda criança saudável, corria ela livremente pelas terras do sítio quando, inexplicavelmente, sem que nada impedisse sua jornada olímpica, pisou numa espiga de milho, tropeçou, escorregou e caiu, ficando lá, estendida no chão, sem poder se levantar. Foi aí que minha avó entrou em ação: pegou a filha no colo, calmamente, a levou com todo o jeito e a colocou sobre a cama para uma breve “examinada”, apalpando-a com dedos intuitivos, à procura de saber o que teria acontecido com a menina. Imediatamente, percebendo a gravidade daquele tombo, a mateira dona Hercília não hesitou em dar ouvidos à intuição, pernas à razão e asas à direção da maior de todas as ações: embrenhou-se mata adentro em busca da solução.

 

Dona Hercília era conhecida nas redondezas como a maior de todas as curandeiras do lugar, tinha ela agora, em suas mãos o dever de fazer valer seu jargão. Mas esta era a maior de todas as missões já executadas até aquele momento. Considerada “mestra” em curar qualquer tipo de problema com suas folhas e raízes milagrosas, teria ela, agora, de colocar em prova toda a sua eficácia, até por que, tratava-se de sua filha e os recursos médicos e hospitalares estavam há quilômetros dali. Então, só restavam os seus saberes. Era o momento de chamar o conhecimento empírico e fazê-lo funcionar. Estava em suas mãos resolver um caso dramático e TRAUMÁTICO com um diagnóstico de possível fratura e deslocamento do ilíaco. Como resolver tal fato com ervas? Eis aí o impasse, diante da gravidade e do estado em que se encontrava sua filha, o que fazer longe dos recursos da medicina ortodoxa, longe, literalmente, no sentido pleno da palavra? O lugarejo chamado Queima Sangue, há setenta anos atrás, não dispunha de condução, muito menos de recursos urbanos. Para se chegar a uma cidade mais próxima, onde pudesse encontrar algum Hospital, mesmo que precário, teria de viajar em carro de boi,  algumas horas de solavancos por uma estrada de chão, de poeira avermelhada, entre serras e cachoeiras, rios e pinguelas.  Tudo isto seria lindo e até pitoresco, se não fosse a urgência e a gravidade que o caso exigia.

Quarto ato:

Mas vamos ao “causo”, que é isto que nos interessa.  Dona Hercília, como boa filha da natureza que era, não hesitou em despir-se do “orvalho” e enfrentá-lo diante do problema: saiu resoluta  mata adentro em busca da erva que seria a solução para a cura de sua filha. A raizeira embrenhou-se intimamente no “ser da Selva” na selva de sua real aflição. Chegou a hora de por em evidência coragem e energia intuitiva aliadas aos saberes ancestrais. Sem outras possibilidades, segue apenas a demanda de uma ordem  interna e milenar. Uma voz silenciosa direciona a mateira e aponta para a erva, aquela que certamente seria necessária. Estamos diante de um tal “cipó” – Cipó cabeludo. De posse do Cipó, a mãe e “médica”, médica sim, pois só havia este único recurso. A pobre criatura correu para sua casa para por em prática os procedimentos equivalentes à cura de uma fratura com deslocamento de ilíaco. O Cipó desprenderia uma resina fantasticamente curativa - matéria prima básica de princípios ativos para casos como estes.

 

 Contava minha avó Hercília que este cipó tinha um poder tão mágico de entender a cura no seu tempo – quando o órgão afetado tivesse sido restaurado a resina do Cipó já teria feito seu papel de cura. O Cipó só se soltaria da pele depois de cicatrizada, expulsando a cataplasma grudada na pele, numa espécie de expurgo.  Concluía minha avó: este tempo será em torno de 30 a 40 dias, tempo suficiente para deixar agir o efeito anti-inflamatório e o cicatrizante. A partir daí é só esperar que a natureza cumpra seu ato curativo.

 

A confiança de dona Hercília no conhecimento natural, faz desse caso mais que uma aventura, tanto em torno da lenda do cipó, quanto na sua própria crença. Aparentemente, o Cipó dera conta do recado e a “doutora” herbarista também. Não fosse o desconhecimento de anatomia, tudo estaria muito bem. A faculdade do “mato” da mãe natureza, não incluíra a cadeira de ortopedia em sua aprendizagem. No caminho dos saberes de dona Hercília estavam apenas as ERVAS e a INTUIÇÃO. E ao Cipó não fora dado o direito de exercer a cátedra de fisiologia humana, ele só fez o que sabia fazer: curar,  não se importando com o que estava fora de lugar. Por isso, Erotildes ficou com uma sequela: teve sua perna encolhida, mas nada que a impedisse de andar, dançar, viver, casar e ter lindos filhos.

 

 Esta é apenas uma das muitas estórias de verdadeiras histórias de gente simples, de coisas do interior, de pessoas que apenas sabem praticar o bem. Quando lhes faltam recursos, usam então os seus saberes naturais e suas capacidades intuitivas em prol da saúde. E eu só contei esta estória para que ela não se perdesse no tempo e no limbo da minha memória. Se você leitor gostou, me aguarde. Na próxima, falarei da outra avó – a paterna.

 

 

 

 

Vannda Santana



[1] Basarab Nicolescu. Ciência, Sentido & Evolução. A cosmologia de Jacob Beehme, Attar Editorial, São Paulo, 1995 p. 91.

terça-feira, 2 de junho de 2015

O ESPELHO


O espelho

O que tento lhe traduzir é mais misterioso, se enreda nas raízes mesmas do ser, na fonte impalpável das sensações.

J. Gasquet, Cézanne

 

O edifício vizinho invadiu minha sala. Entrou pela janela e se aboletou inteiro num pequeno espelho sobre a mesa de jantar. Estranhamente, o “invasor” trouxe do lado de lá a Praça do Metrô e o prédio em  frente (este do qual estou falando) e tudo isso refletido em suas vidraças, além de um lindo pôr de sol como artífice de  grandes pareidolias. E o espelho, ao ostentar seu espetáculo, não se dá conta de tanto brilho. E a sala, mil vezes menor, cede à imagem o espaço perceptivo.

Falar sobre os “espelhos” não nos parece muito simples, quando se tem um Umberto Eco seguido de um Machado de Assis. Mesmo assim, vou me aventurar em relatar o que vi numa tarde de outono. Inicio este escrito questionando o desafio da física e da geometria, ao ver parte de um bairro com praças e prédios refletida no espelho;  ou seria a perplexidade do meu olhar diante daquelas imagens especulares? A sala, meio inibida, é o palco desse cenário de tamanha grandeza para o espetáculo. A janela de vidro fechada, nada fez para impedir tal invasão, onde as figuras multiplicadas com seus mosaicos de ilusões vestem-se de ambíguas  imagens que se  recriam de tons multifacetados. Meu inerte olhar apenas observa. E é o que tento aqui compor: fazê-los ver com palavras pensando que  aquilo que vi  atrela-se ao invisível nas palavras de  M. Merleau-Ponty  A visão é o encontro, como numa encruzilhada, de todos os aspectos do Ser. 

 E o espelho? Há um espectador atento que a tudo assiste como num filme com início,  meio e fim: a lâmina luminosa vai rolando a cena construída de inúmeras faces. Os objetos são imagens distorcidas que foram deslocadas de suas fronteiras entre o real e o imaginário, gerando esse fenômeno de percepção, aliado à especulação das imagens que dançam refletidas no espelho. Não se trata de fotografia, não há delírio que dê conta desse imaginário de transposição do real. O prédio, a praça, a janela e o espelho são elementos que formam a ilusão desse instante; a contemplação do espaço  e o  surgimento de um conceito de vazio, vazio de significado, ganha uma nova dimensão diante do contexto de uma visão ilusória.

Ao tentar descrever o processo, não o processo do espelho, mas a metáfora enganosa do real que aponta para uma imagem de realidade onde o reflexo apenas distorce aquilo que está sendo refletido e desloca o objeto para um outro lugar, gerando uma ilusão ou um paradoxo. Nada foge a especular observação. A cena importada pelo espelho transita refletida pela dupla visão e possui uma simetria semelhante ao objeto real.  Porém, aos poucos, esse objeto real vai sendo diluído pela luminosidade do sol e, aos poucos, lentamente, as cores vão se apagando em suas modulações, mudando o cenário das imagens pela radiação do sol.

Desse modo, cabe ao espectador refletir sobre aquilo que ele vê, pois nem sempre o objeto visto obedece aos critérios de sua visão. Por outro lado, a descrição de sua mente afirma ser legítima a realidade exposta daquele cenário. As imagens, quer sejam reais ou artísticas, são sempre possibilidades de uma construção, de uma experiência  vivida; ainda que, em suas histórias, haja máscaras para romper e compor fronteiras entre o simbólico e o imaginário.

E o espelho surge, assim, como objeto comum, representante não muito fiel do Outro ou de um lugar.  Mas o espelho que estou descrevendo é realmente fantástico: ele ocupa o lugar da ilusão na consciência humana, mostrando a incrível cena raptada de outros lugares de imagens multifacetadas; refletindo fragmentos quase reais, que ficaram entranhados no “olhar” que,  tal como o espelho, também repassa o que vê do objeto materializado na difusa lâmina da retina. Esta é uma percepção diante do afastamento que há entre o olhar no espelho e a forma que nele fora projetada.

 

               

 

domingo, 12 de abril de 2015

NO DNA DO TEMPO: A culpa é dos telômeros




Por: Vannda Santana


O que é velhice? Por que envelhecemos? Pois bem, tentando buscar uma explicação para tais perguntas vi-me invadindo áreas do conhecimento científico que antes não exerciam nenhum interesse sobre mim. Hoje, vencida pela indagação, busco explicações para entender como se processa o envelhecimento nas suas complexas fases da vida humana. Tarefa nada fácil para quem não possui conhecimento específico; pior ainda, quando se tenta ler a realidade com lentes leigas, pensando ser capaz de decifrar o mistério que envolve a biologia, a fisiologia e a genética de toda uma existência, acreditando na percepção de um mero empirismo. Porém, movida por essas inquietações, sigo rastreando dúvidas: onde começa a diferença daquilo que durante o ato de envelhecer parecia ser um processo normal?  A doença que se instala no corpo do idoso, sinalizando um desgaste do físico seria, então, resultado da idade ou é a degenerescência do físico débil, que não consegue reagir diante de certas patologias? Parece que estamos falando do óbvio.

Determinei meu objetivo seguindo a premissa de verificação das diferenças entre duas palavras: senescência e senilidade, procurando em suas divergências o que há de comum entre ambas. Ao debruçar-me sobre este assunto, deparei-me com um universo de informações; de estruturas e funções tão complexas que não tive outra opção a não ser a de interpretar, transliterar o que foi possível ser abstraído da literatura. A partir daí, procurei centrar meu interesse apenas no princípio de uma propedêutica biológica do processo de  envelhecimento; observando em que momento da vida uma simples mudança de comportamento celular pode significar declínio de uma estrutura física.

 Há uma vasta literatura sobre o tema velhice. Mas não é minha proposta fazer deste artigo um esboço para uma tese. Minha inquietação não chega a tanto. Quero sim, compreender o processo e dar forma às mais contundentes interpretações:  realçar o quanto há de sensível atrelado a teoria da imagem do corpo e tentar entender a imagem decodificada no corpo, perante o registro da memória que o tempo descreve como cópia desbotada da idade.

Por mais holística que seja a minha crença, por maior que seja a verdade sobre a teoria quântica, ainda assim, sigo meio confusa aceitando os ditames de um Descartes,  porém admitindo a crença em um Einstein que me leva para além do que é visto. Em meio à dúvida, opto por paradigmas que me fazem perscrutar novos sentidos. Desse modo, assisto à vida seguir seu curso driblando certezas e nos fazendo surpresas, nos oferecendo muito mais do que é por nós esperado ao longo da existência.

 Não nos parece simples encontrar respostas prontas para situações como estas que se referem à biologia e à fisiologia humana. Mas, é neste contexto que surge a palavrinha senescência apontando uma nova direção e, simultaneamente, mostrando sua diferença entre a senilidade. Pois bem, não faltaram mentes iluminadas para dar luz a esses novos caminhos de pesquisas da biologia humana. Muito já se fez, mas ainda há muito o que se fazer. Como leiga que sou, apresso-me em devorar as novas descobertas, uma vez que também me vejo cobaia no decurso desse script.

  Comportamento celular: este é o ponto x da questão. Com o passar dos anos, nosso corpo sofre uma série de transformações anatômicas e funcionais que atingem todos os órgãos e  o sistema orgânico. Enumeremos alguns exemplos: o adelgaçamento da pele, do cabelo, das unhas, além do enrijecimento dos vasos sanguíneos e a redução de algumas células de defesa do organismo. Estes são alguns dos exemplos que estarão presentes nestas mudanças que são denominadas senescência ou envelhecimento normal. Entretanto, é importante notar que uma coisa não está aliada à outra e nem são acompanhadas de sintomas e nem interferem negativamente no estilo de vida de cada um. Isto se deve ao simples processo de envelhecimento dos seres vivos compreendido cientificamente pelo nome de senescência celular.

Bem, foi o que entendi do que pude transliterar do texto científico. Compreendi que é assim que funcionam as células de um organismo vivo. Elas apresentam a capacidade de se dividirem para poderem dar lugar àquelas que por qualquer razão pararam o seu processo de metabolização. Diante deste  resultado, temos o processo de envelhecimento ou a senescência celular quando as células param o seu método de divisão. É assim que a “coisa” funciona: as células senescentes, ou seja, as células envelhecidas param de se dividir quando os telômeros que protegem as extremidades dos cromossomas se encurtam até alcançar o limite de Hayflick. Esse limite, foi descoberto por Leonard Hayflick como resultado de dados empíricos e pesquisas aplicadas às células humanas. Esse cientista verificou que as células de nosso corpo podem se dividir apenas um certo número de vezes. Toda vez que uma célula se replica, ela acaba tendo seus telômeros diminuídos. Cada nova célula tendo os telômeros menores ficam fadadas a começarem a envelhecer, apresentando, assim, mais problemas até que o limite crítico seja atingido e a célula não possa mais viver. Essa é a função dos telômeros; são eles uma espécie de tampões nas extremidades dos cromatídeos. O estudo de Leonard Hayflick foi tão importante que desbancou um ganhador do Prêmio Nobel, Alexis Carrel, que afirmava a existência de imortalidade em células normais.

A descoberta dessa diminuição, que gera envelhecimento nas células, está ligada diretamente ao envelhecimento humano natural. Além disso, os telômeros menores abrem espaço para diversos problemas, devido a uma diminuição da capacidade imunológica das células, o que pode abrir “janelas” para o avanço de doenças oportunistas, autoimunes que atacam nossas células.

Cabe aqui uma pergunta: se nossas células possuem essa programação para morrer, qual será o limite da vida?

Mitos ou verdades. Mas a verdade é que ninguém sabe exatamente tudo sobre a vida. De acordo com alguns pesquisadores atuais, os cientistas acreditaram que durante muitos anos uma pessoa jamais passaria dos 110 anos, porém esse pensamento foi mudado. Jeanne Calment, que nasceu em 1875 e viveu até 1997, mostrou que o corpo humano pode passar dos 120 anos, algo realmente incrível. Mesmo essa idade não sendo o limite definitivo, ela pode estar muito próxima dele, o que é um grande problema para os planos de vida eterna dos humanos. Várias pesquisas sobre como impedir os telômeros de diminuírem com o passar do tempo estão sendo feitas e até que a humanidade encontre a “cura” disso, não faça muitos planos para depois dos 120.

 Os pesquisadores Victoria Lundblad e Timothy Tucey fizeram descobertas importantes de como funciona a enzima telomerase no Salk Institute for Biological Studies. De acordo com o que foi dito, à medida que nossas células se dividem – para renovar tecidos da pele, pulmões, fígado e outros órgãos – as extremidades dos cromossomos presentes nas células vão se encurtando cada vez mais. Esta afirmação, baseada em pesquisas anteriores apontam para as novas descobertas: Quando essas extremidades, chamadas telômeros, tornam-se muito curtas, as células perdem a capacidade de se dividir, o que promove a degeneração dos tecidos. Isso é o que geralmente ocorre com o envelhecimento. Cientistas descobrem “interruptor” que atua em envelhecimento celular [1].

Concluiu-se que em algumas situações os limites entre senescência e senilidade não são tão claros. Desse modo, fica uma observação: assim que o  indivíduo perceber algum sintoma ou mudança no padrão de funcionamento do seu corpo, deve-se procurar ajuda especializada e não acreditar que "é normal da idade”. Outro recado: o envelhecer ainda é um processo cercado de muitos preconceitos, além de grandes dúvidas. Portanto, só nos cabe acreditar que muito já se descobriu, mas ainda há muito o que se fazer; sabemos que há diversas pesquisas em andamento no mundo inteiro com o objetivo de alavancar o entendimento sobre esta fase da vida. Desse modo, é melhor agirmos em defesa de nossos estímulos físico e emocional e, assim, estabelecer as condições necessárias para nos mantermos ativos, produtivos e com qualidade de vida, enquanto a eternidade não vem.


Referências:

Sites:




domingo, 25 de janeiro de 2015

A Paineira de Copacabana







A Paineira de Copacabana floresce no asfalto da Praça Arcoverde cercada de cimento por todos os lados



Inicio este texto com um pedido de socorro: meu senhor, mande urgente uma chuva do céu para salvar esta linda flor, pois ela representa o abrigo, a casa e o ninho de tantos pássaros que, para ela, retornam contentes ao anoitecer e, quando o dia amanhece, alçam alvorada em retirada com cantos e festivais. As nossas Paineiras necessitam viver e elas parecem lutar contra toda poluição do ar que cai ao seu redor. Mas, ainda assim, são elas magníficas, charmosas e elegantes nas suas formas requintadas de ser. Com, aproximadamente, doze a quinze metros de altura e um tronco espinhoso (algumas já sem espinhos) costumam exibir suas floradas exuberantes. E elas são assim, se destacam no cinza do cenário urbano indiferentes à poluição e, dependendo do lugar onde vivem, pintam de rosa o chão de ruas e avenidas.


Para alguns biólogos e ambientalistas, as Paineiras e as Quaresmeiras são espécies de árvores que se tornam presentes com suas floradas nesta época, entre dezembro e abril, iniciando o ano com sua temporada de flores. Enquanto que, para outros estudiosos, de acordo com cada região, as quaresmeiras iniciariam seu processo de floração em março e as Paineiras em abril. Para o mês de maio, espera-se, então, a florada dos ipês (branco, rosa e amarelo) que por sua vez se estende na temporada até setembro. Em agosto, será a vez das floradas dos Jacarandás conhecidos como ipê roxo. A informação oferecida aqui sobre a época de floração de cada espécie apoia-se no conceito[1] referenciado. Porém, pude notar algumas divergências nos períodos de floração das mesmas espécies citadas em outras fontes.  Diante do exposto, este texto não pretende ser objeto de estudo. Trata-se de uma crônica e, por isso mesmo, não abrangerá conceituações de conhecimento específico sobre variações climáticas ou sobre as regiões onde melhor se adéquam.


Quero apenas falar das Paineiras, não de uma paineira qualquer mas, principalmente, a Paineira de Copacabana, aquela que floresce no asfalto e quase ninguém vê. É para ela o meu olhar da janela; é sobre ela o cantar entusiasmado do Sabiá; é nas flores em forma de orquídea que o refinado néctar está intimamente guardado. A Paineira de Copacabana exibe, na praça, o seu mais singelo matiz; estende seus galhos em forma de braços ornados como um tapete de pétalas em passarela, sem mesmo discriminar os passos que por ali passam distraídos para o Metrô.


Um lembrete histórico: antigamente, as pessoas utilizavam as sementes das Paineiras, chamadas de paina, para encher travesseiros,  almofadas e bichos de pelúcia, em função de serem peludas, lembrando algodão. Talvez, por esta razão, possamos dizer que há um étimo sensorial presente no contexto da semente-paina, remetendo-nos à maciez dos travesseiros, tão desejados por todos para que tenham noites de bom sono. Ou, ainda, como a falta que se quer preenchida na semântica dos travesseiros e dos bichinhos de pelúcia. Nesse não ato, registra-se a ausência que se faz notar. Este é o sentido: há um vazio, vazio pleno, até de “paina”. Fica a reflexão. 


Esta é a Paineira de janeiro, da Praça Cardeal Arcoverde, Praça-casa; Praça-dormitório; Praça-de-gente-sem-casa que assim como a Paineira, também sofre seus revezes. Esta é a Paineira de Copacabana que, ao lado dos sem-teto, sofre a perversa ação do homem.


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Oficina de Arteterapia: linguagens e símbolos


Oficina de arteterapia: linguagens e símbolos, uma dinâmica de criatividade

 

Por: Vannda Santana

 

"Eu vivia num estado de tensão, à medida que fui conseguindo traduzir as emoções em imagens- isto é, à medida que fui descobrindo as imagens que se encontravam escondidas nas emoções- vi-me acalmado e seguro interiormente."

 C.G. Jung

 
A prática arteterapêutica vivenciada no consultório através das oficinas de artes vem demonstrando ao longo de seu tempo ser um método ricamente simbólico e que por meio de sua linguagem tem se revelado com grande eficácia para o desenvolvimento psíquico em qualquer fase da vida humana. O que se pretende com este texto não é divulgar ou comentar resultados de um trabalho teórico ou empírico específico, mas possibilitar uma sistematização que ofereça pistas para um novo pensar a doença e a cura nos seus campos fronteiriços, onde a farmacopeia opera sem medidas, sem limites e escrúpulos. Assim, tentarei partilhar o que entendo por linguagem dos símbolos na dinâmica da criatividade e depois sistematizar alguns desafios que nos rodeiam em face desse conceito: desafios constantes - onde o arteterapeuta se vê envolvido simultaneamente  pelos desafios antigos e os atuais.
 

A arteterapia promove singularmente manifestação de expressão em suas realizações, causando um efeito visível considerável. Portanto, falar de criatividade é algo que vem se manifestando como elemento de libertação espontânea, apontando eficácia e clareza diante das necessidades humanas. Desse modo, o tratamento arteterapêutico conduz o indivíduo para um despertar da criatividade, gerando um fluxo energético a favor de novas adaptações, de novas possibilidades contribuindo de forma lúdica para o tratamento. A arteterapia oferece um espaço aberto à criação e à elaboração de conflitos e perdas de forma leve e prazerosa.
 

 A arteterapia utiliza-se de vários elementos de artes, desde um simples lápis de cor até as formas mais ousadas de um “risque e rabisque” com tintas e pincéis até mesmo outras formas criativas de verbalizações, como o uso a fala para contar histórias,  interpretar um poema, bem como usar a criatividade literária para fazer contos, crônicas além de outras manifestações de criatividade. Permitir o acesso à utilização dessas técnicas da arteterapia poderá conduzir o indivíduo ao processo de estimulação do cérebro e ajudar o psiquismo a realizar suas expressões através da libertação das pressões internas do sujeito.

 
Portanto, cabe ao terapeuta usar cada vez mais uma postura ética imprescindível de conhecimento e reconhecimento das novas técnicas que deverão participar dessa dinâmica do fazer de cada momento um prazer. Desse modo, a participação terapêutica do prazer em fazer se converterá em resposta de realização simbólica. Isto é  arteterapia.

 
 A vivência de cada indivíduo vai surgindo espontaneamente através dos elementos e dos materiais que são previamente expostos de maneira que o próprio indivíduo possa fazer sua escolha. Porém, nos casos mais gravemente comprometidos, o terapeuta deverá intervir em auxílio ao paciente, sem abdicar dos critérios éticos de sua ação e prática ao escolher os materiais, como tinta, tecido, madeira, massa, argila, papel, lápis cera, lápis,  óleo, grafite, jogos diversos, textos individuais ou textos teatralizados para leitura além de outros suportes. Durante o processo que ocorre dentro da oficina, o profissional terapeuta procura fazer suas observações quando necessárias para aquele momento. Neste caso, o arteterapeuta assume a função de ser um facilitador das ações, orientando naquilo que for possível.

 

Conceituando estilos cognitivos e afetivos

Os estilos aplicados aqui em arteterapia não estarão significando referencias de aprendizagem. Aqui, os estilos são passíveis de alterações e integrações em uma perspectiva fenomenológica; queremos afirmar, entretanto, que eles são apenas materiais simbólicos. Do ponto de vista semântico, podemos até conceituar algumas palavras, por exemplo, a palavra "stilus" que aqui foi utilizada. Poderia até merecer uma explicação etimológica, mas desnecessária, pois a razão dessa derivação do latim nos mostra que tal palavra se associa à feição especial ou ao caráter de uma produção escrita ou, ainda, à maneira especial de exprimir os pensamentos e de se expressar na escrita. Porém, no caso particular dos trabalhos efetuados por pacientes em consultório, não há essa necessidade de formalização epistemológica ou etimológica.

As observações feitas durante as práticas poderão servir de análises para futuros estudos que possam fundamentar e dar relevância à prática arteterapêutica. Entretanto, cumpre-se seguir observações de caso a caso. 

Quanto à linguagem das cores, assim como os símbolos imagéticos, também poderão surgir durante todo o exercício como fatores desses elementos simbólicos e, assim, naturalmente, farão parte da dinâmica das ações, nas quais os seus registros, manifestar-se-ão diretamente em cada ato criativo.
 

Para que uma sessão de arteterapia seja plena na sua composição terapêutica, há que se ter um espaço favorável e uma disposição de materiais que possam atender à diversidade de cada caso. Os métodos usados em cada oficina ficam a critério do terapeuta, o que ele privilegia ao disponibilizar como instrumentos os elementos de recursos terapêuticos. Há casos em que são necessários tratamentos mais específicos, tais como os indivíduos comprometidos com alguma deficiência relativa à audição, visão, linguagem (fala), escrita, deficiência neurológica além de outros comprometimentos que deverão passar por critérios avaliativos e, em seguida, serem encaminhados a especialistas específicos.