Paideia: “Lugar dos gregos na
história da educação”
Professora: Vannda
Santana
Revisão: Márcia Vital
Toda educação é assim o resultado da consciência
viva de uma norma que rege uma comunidade humana, quer se trate da família, de
uma classe ou de uma profissão, quer se trate de um agregado mais vasto, como
um grupo étnico ou um Estado.
(Werner Jaeger, Lugar dos gregos na história da
educação).
Educação e formação dos gregos segundo princípios
da Paideia
A Paideia é a fiel representação da
educação na formação do homem grego. A educação a que W. Jaeger se refere pode se
aplicar com propriedade à palavra alemã Bildung
(formação), no seu sentido pleno de forma completa e em seu todo. Desse modo, vale
perceber o quão importante foi a metodologia de ensino aplicada na Grécia
antiga e o verdadeiro objetivo que permeava tal concepção pedagógica.
Paideia (παιδεία) é um termo do grego antigo
empregado para sintetizar a noção de educação na sociedade grega clássica. A
palavra paidos (pedós) - criança significava "criação dos meninos",
referindo-se à educação familiar, aos bons modos e aos princípios morais. A Grécia exerceu um modelo de educação que tinha por finalidade formar o homem em suas
amplitudes morais e sociais. Jaeger
afirma que “A tendência do espírito grego
para a clara apreensão das leis do real, tendência patente em todas as esferas
da vida – pensamento, linguagem, ação e todas as formas de arte – radica-se
nesta concepção do ser como estrutura natural, amadurecida, originária e
orgânica.”
Esta era a base de toda educação grega,
vivenciada por uma preocupação consciente e com o caráter de atingir as
melhores formas de existência humana dentro de uma prática organizada através
do esforço consciente: o homem e a prática criadora, atuando em condições de
manutenção e transmissão de suas organizações físicas e espirituais. E é
através desse esforço físico e espiritual que era possível atingir o mais alto
grau de intensidade consciente do conhecimento que se revestia de uma idealização
no sentido da unicidade e da aplicação das leis ao conduzir o ideal do estilo.
Eis a verdade dos ideais
educativos. Os gregos que vivenciaram a
educação com base na paideia também
tiveram seus problemas. Na literatura grega, por exemplo, houve um
questionamento do conceito, seja na poesia, tragédia ou na comédia. Assim, os
gregos tiveram de elevar seus espíritos para alcançarem melhores resultados,
através do importante debate do estatuto com a questão filosófica dos Sofistas,
logo depois com Sócrates e Platão, seguido de Isócrates
e, finalmente, com Aristóteles. Desse modo, em meio à sociedade ateniense, a
"paideia" passa a se referir a um processo de educação no qual os estudantes
eram submetidos a um programa que procurava atender a todos os aspectos da vida
do homem. Entre as matérias abordadas constavam a geografia, história natural,
gramática, matemática, retórica, filosofia, música e ginástica.
O conceito que antes era
preconizado originalmente exprimia o ideal de formação social do homem grego e
este ideal estava contido em outro
termo: "aretê" (em grego, adaptação perfeita, excelência, virtude), dessa
forma, explicitado nos poemas homéricos. A aretê era entendida como um
conjunto de qualidades físicas, espirituais e morais, atributo próprio da
natureza (como por exemplo, a bravura, a coragem, a força, a destreza, a eloquência, a capacidade de
persuasão e, enfim, a heroicidade). O alargamento do ideal educativo da aretê surgiu ao fim da época arcaica
grega (por volta dos séculos VIII e VII a.C.), traduzindo-se na expressão
"kalos kagathos" (kalos = bom; kagathos = belo, ou o bom e belo, em
grego) da qual deriva o termo kaloskagathia, ou, a grosso modo, o cultivo da
bondade ou do virtuosismo e da beleza, onde o homem era estimulado a alcançar a
excelência física e moral além da honra e da glória.
A partir do século V a. C., o
conceito de aperfeiçoamento do ser humano para o bem da sociedade como um todo
segue em plena evolução. A noção agora vigente é que, para além de formar o
homem, a educação deve ainda formar o cidadão, deixando de ser suficiente a
simples e antiga educação baseada na ginástica, música e gramática.
O conceito acabado da paideia
torna-se o ideal educativo da Grécia clássica. Com o tempo, passou a designar o
resultado do processo educativo que se prolonga por toda vida, para muito além
da escola. Até os dias de hoje seus ideais são imitados em praticamente todo o
mundo, como um perfeito entendimento de formação social do ser humano.
A Educação Grega como exemplo
para os dias atuais
A distância compreendida desse
período da Grécia Antiga para os dias
atuais não guarda hoje nenhuma semelhança com a educação contemporânea que
temos no Brasil. Muito pelo contrário. A educação se perdeu do “homem” e o
homem da educação. No crescimento da
sociedade a imagem está desconfigurada diante da realidade, longe do que se
poderia chamar de ideal. E o destino da educação parece resvalar
para a margem da história, agarrando-se a fragmentos de referências
teorizadas mas sem nenhuma identidade moral que os autentique para um padrão de
modelo. A imagem desenhada da educação atual deixou marcas de um esfacelamento
total; traços amorfos se apresentam no caráter educativo como descrédito dos
valores morais e sociais, um viés patológico como causa e talvez como
consequência.
A partir desse perfil, é possível vislumbrar resultados
no sentido de alcançar melhores condições educativas, ainda que seja através de
uma teoria, um idealismo formal ou uma concepção dialética; mediada por uma grande reforma.
Lamentavelmente, esses critérios não atingem a consciência coletiva; e a
educação, como vítima, fracassa. E o homem vitimado pelas mesmas circunstâncias
também fracassa em seu caráter. E o Estado perde com a deformação do todo.
Entretanto,
o ideal dos gregos já teria desaparecido ao longo do tempo se o homem grego não
tivesse exercido com eficaz pertinácia sua própria história, colocando como expressão
de altíssima vontade aqueles ideais com que trabalhou seu destino. Desse modo, Colocar estes conhecimentos como força
formativa a serviço da educação e formar por meio deles verdadeiros homens
(...) é uma ideia ousada e criadora que só podia amadurecer no espírito daquele
povo artista e pensador. (JAEGER, 2003, pag. 9). A nós caberá, ainda,
imaginar que nada se constrói em um só
segundo muito menos a formação de um povo e sua história. Esse legado teve como
estratégia o aprofundamento de estruturas psíquicas de forma doutrinária desde
os estádios primitivos de crescimento individual até a formação ideal, porém
dentro da coletividade social e de acordo com os ideais de vontade; pois, á medida que avançava-se no
caminho do crescimento, ia-se gravando na consciência a clareza da finalidade
atribuída à formação de um elevado tipo de homem (JAEGER, 2003, pag. 7).
Para W. Jaeger,
a Paidéia nos fala de um humanismo como norteador da
formação e esta era a intenção primeira dos gregos antigos: um constante
aperfeiçoar‑se. Notoriamente, esse foi o reflexo plasmado nas gerações
posteriores. Assim sendo, se tal fato não fosse real, já teria se perdido nos
porões do palimpsesto da memória e caído no esquecimento da história da
humanidade. Porém, o que ocorre é um paradoxo, aquilo nos encanta é também o
que nos põe em estado de alerta diante da realidade: os sintomas presentes como
desordem na formação da sociedade. Assim
sendo, como a "Paidéia" permanece presente na
cultura ocidental até os dias atuais, fica em cada um de nós a pergunta: o que
dela nos restou se não apenas o que sobrou de um grande idealismo formador de
seres humanos tão melhores? Será que não vale repetir o modelo?
A rotina de
um aluno de acordo com os preceitos da paideia
- "Acordar logo ao amanhecer, e com a ajuda do
pedagogo, o jovem lavava-se e vestia-se;
- Refeição matinal e logo após, ida à palestra,
para as aulas de música e ginástica;
- Banho e regresso à casa para o almoço;
- Retorno à palestra à tarde, para lições de
leitura e escrita;
- Ida para casa, sempre na companhia do
pedagogo; estudo das lições, trabalhos de casa, jantar e enfim repouso.
- Não havia finais de semana ou férias, exceto
pelos festivais religiosos ou cívicos".
Conclusão
Um olhar reflexivo
sobre a atualidade
O tema do XX
Congresso Mundial de Filosofia organizado em Boston em 1998, destacou com
relevância o conceito de educação grega, evidenciando um apelo para os historiadores, filósofos e educadores
contemporâneos, reafirmando ser uma proposta válida para a sociedade de hoje,
considerando que a educação tem se caracterizado pela fragmentação e superficialidade,
com grandes perdas de referenciais morais sólidos. Como observou Daise
Diniz,
"A educação, para nossos antigos filósofos,
foi acima de tudo um exercício para o bem viver em comunidade, uma convivência
calcada, sobretudo, na responsabilidade para com os outros e no respeito mútuo,
que instaura a harmonia e preserva a dignidade entre os seres. A razão humana,
no que tinha de mais sublime, era enfocada no ato de educar. [...] A questão
que fica para nós é como estamos lidando com essa herança grega, num mundo em
que se convencionou dissociar o sucesso do desenvolvimento do caráter. [...] O
ato de educar foi barbarizado, barbarizado pela apatia, pelo politicamente correto e pelas falácias produzidas pela mídia. Nesse
sentido é que o ato de educar torna-se um tema vivo, por necessitar de
constante reflexão. A reflexão sobre que seres e que sociedade desejamos para
nossa geração e para as gerações futuras. Essa era a questão da paideia grega,
uma vez que, na Grécia Antiga, educava-se para a vida em comunidade, em todas
as suas nuanças. É preciso indagar se nossas práticas educativas têm ajudado
para nos tornarmos seres melhores, posto que o ato de educar pode ser o motor
da construção de sujeitos éticos dotados de responsabilidade, solidariedade e
de caráter para dar novos rumos à história humana".
Alguns Projetos modernos de
escolas de tempo integral no Brasil tiveram um currículo diversificado
inspirado no antigo ideal grego de educação completa. A Grécia Antiga
deixou sua marca de dependência na cultura do ocidente pelos princípios
adotados. Eis o que disse o filósofo Hans-Georg Gadamer: que um retorno aos gregos é para os ocidentais como que um reencontro
consigo mesmos.
Bibliografia:
JAEGER, Werner Wilhelm.
Paideia: a formação do homem grego.
Tradução Artur M. Parreira. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 1986
RELVAS,
Marta Pires. NEUROCIÊNCIA E TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM. Editora Wak, Rio de
janeiro, 2011.
WEISS,
Maria Lúcia. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de
aprendizado escolar. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2000. 7ª edição
Acesso
em 13 de março de 2017
Conceito de Paideia. Disponível em:
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