segunda-feira, 6 de março de 2017

O algoz da depressão: a prisão da alma

Por:Vannda Santana
Revisão: Marcia Vital

Por que escrevo? Para quem escrevo? E o que escrevo?

Para responder a estas perguntas, se faz necessária uma pequena apresentação: sou professora, psicanalista, arteterapeuta e, como tantas outras pessoas, também fui vítima da depressão (doença da modernidade) que assola grande parte da sociedade e que, às vezes, costuma atrelar-se à síndrome do pânico, complicando ainda mais o diagnóstico. Este artigo é só um desabafo à medida em que necessito escrever – um  hábito que se tornou terapia a partir da leitura – transformando pensamentos e  criando novos estímulos.

De 1996 até setembro de 2004, fixei residência em Petrópolis, Rio de Janeiro, depois de adquirir uma “pseudo aposentadoria” que parecia ter um caráter  de segurança financeira para os anos vindouros (um prêmio) que se sucedia após longos e exaustivos vinte e nove anos de trabalho. A decisão de sair da Zona Sul do Rio e trocar o mar pela serra revirava-me a imaginação de estar vivendo a aventura de um conto de fadas: era tudo o que eu queria. Até o vento frio que soprava uma bruma branca e úmida, deixando as vidraças embaçadas, era motivo de poesia, pois em tudo havia uma beleza impar. Mas os dias na serra induzem ao isolamento e foi, de fato, o que aconteceu.

 Mas a calmaria da montanha e a escassez de trabalho intelectual resultariam em nostalgia e até um grande desânimo tomou conta do meu comportamento. Resolvi fazer um check up para conferir como andava a minha saúde. Foi quando então, veio a surpresa: pressão arterial alta. O cardiologista com sua postura de profissional ciente do seu dever de médico receitou-me confiança e muita calma, além de me prescrever “um livro” – O Demônio do Meio Dia – Uma Anatomia da Depressão do autor: Andrew Solomon. De início, achei aquela indicação estranha, mas à medida que eu ia lendo confrontava-me com o  próprio “demônio” depressivo, o meu particular demônio interior. Lê-lo foi um desafio naquele momento de tormenta. Porém, tendo vencido o primeiro instante da leitura, pude compreender como a depressão ia aos poucos se extinguindo e a pressão arterial mais controlada. Nesse momento, descobri o milagre que o livro havia produzido em minha vida: novos horizontes se iluminaram, apontando novas oportunidades em direção ao academicismo. Ao ser convidada por uma universidade para ministrar vários cursos de pós graduação nas áreas de educação e psicanálise, surgia como um despertar de energias em mim um desejo de viver tão vigoroso que apontava como resultado a saída do caos; no mesmo instante que me introduzia de forma satisfatória e prazerosa no universo intelectual. Essa reviravolta deu-me novo folego e pude durante treze anos oferecer conhecimentos e outros saberes àqueles alunos ávidos por concluírem seus cursos de pós-graduação, tutelando TCCs, Dissertações de Mestrado e, alguma orientação em Teses de Doutorado. Por isso, ler é remédio poderoso.

E é por este motivo que resolvi  criar um Blog para expor “teorias” que possam ocupar a minha mente enquanto penso naquilo que desejo expor e que, ao mesmo tempo, possam indicar caminhos a qualquer indivíduo deprimido ou não,  certa de estar contribuindo com a imaginação criativa do leitor. Ainda assim, a leitura é sempre causa de uma ação criativa,  um produto-íntimo e pessoal de ação humanista onde a “consequência” tem como resposta, a ação-curativa por atingir outros seres pensantes  enquanto me leem e, assim,  através da escrita, uma catarse poderá acontecer.

 Diversos artigos são escritos de forma intencional, desde um pensamento romântico até uma possível crítica histórica, social, literária ou uma resenha de alguma época. Porém, em cada escrito há o exercício do pensamento, oferecendo formulação de sentido ao ser idealizado diante da manipulação de uma escritura ou de expressões pessoais: aquelas que se permitem vazar pelas impressões da realidade ao tentar esculpir com palavras a dor endurecida pelo sofrimento.

Neste mosaico de coloridas pinceladas de emoções escritas, lanço mão de alguma metodologia acadêmica para dar suporte ao texto que se quer lido por outros leitores e não somente para os que já se sentiram no lugar de vítimas da depressão.

Portanto, alicerçar os pensamentos é poder direcioná-los no sentido mesmo de  alcançar o leitor naquilo que ele busca como “terapia”: se encontrar com a sua razão de ser e de existir – face a face com o objeto do prazer. Eis o que esses escritos propõem para serem lidos através deste blog. Não há milagres encapsulados que possam apontar saídas favoráveis aos que queiram buscar na leitura uma oportunidade terapêutica. Existe, sim, uma ponte para ser atravessada no abismo temporário que se chama CORAGEM, sem esta aquisição nenhuma leitura será prazerosa. Os textos serão como alento quando alcançados pelo leitor e caso o atinjam. Ao contrário, de nada terá valido a leitura, pois o escrito não terá conseguido libertar a alma de sua prisão ocasional. Os textos manipulam um poder metafórico para além do “arco-íris”, mas é preciso ler – narrar para viver e viver para narrar – quer seja um texto literário, poético, pedagógico ou acadêmico, mas qualquer que seja o escrito  terá de exercer a sedução ao olhar do leitor. Desse modo, o texto seduz o leitor à leitura e o encontro se realiza num espaço mágico de ideias compartilhadas pelo prazer de ler.

Desse modo, posso afirmar que a escrita e a leitura exerceram sobre mim os seus poderes mágicos, livrando-me do aprisionamento da alma e do corpo, subjugados ao cego sofrimento da existência de uma depressão. Por outro lado, e sem valorizar os acontecimentos, dispo-me da vitimização e da possível vaidade para garantir o espírito da compaixão com aqueles que ainda não conseguiram se erguer para abrir a porta da prisão que os asfixia. É neste ponto de encontro  que lanço o meu olhar sobre o equilíbrio perdido, a fim de tornar o pesadelo da angústia numa reação de prazer com livros e textos.

Em nome dessa libertação de corpos e almas aprisionados pelo stress e pela depressão, ofereço minha receita afetiva de vida: texto-terapia, leitura-terapia, escrita-terapia como reconstrução de um ego completamente estilhaçado. Ainda que o efeito catártico da leitura ou da escrita tenha produzido várias interpretações não muito satisfatórias, temos a convicção da prática do diálogo que se ergue face a face com o próprio texto, cumprindo  sua função: tirar-nos da solidão avassaladora. Esta dualidade dialogal entre o texto e o leitor aponta para a significância de enfrentar o fracasso psíquico pela via do comportamento, alterando ações, modificando sentimentos entre os polos positivos e negativos de reações psicológicas.

É neste sentido que me refiro como terapeuta em arteterapia a poder trabalhar a comunicação entre as artes como essência de tratamento e propiciar a criação do  diálogo entre o “eu” mediante um contato com o “outro”. Assim sendo, a individualidade se construirá na coletividade, exercendo uma identidade autônoma.  Como diz admiravelmente Maurice Blanchot: Se há um mundo onde, buscamos liberdade e regras de vida, o que encontramos não é o mundo, mas o livro...

Eis aí a minha experiência com a depressão. As múltiplas faces de muitas leituras salvaram-me e tiraram-me da crise. Assim, despeço-me com as palavras de Mikhail Bulgakov:

Tudo passa – sofrimento, dor, sangue, fome, peste. A espada também passará, mas as estrelas ainda permanecerão quando as sombras de nossa presença e nossos feitos se tiverem desvanecido da Terra. Não há homem que não saiba disso. Por que então não voltemos nossos olhos para as estrelas? Por quê?

Fonte:
SOLOMON, Andrew. O Demônio do Meio Dia – Uma Anatomia da Depressão.  Ed. Objetiva, RJ, 2002;
OUAKNIN, Marc-Alain. Biblioterapia. Edições Loyola, SP. 1996;

THORWALD DETHLEFSEN & RUDIGER DAHLKE.  A Doença Como Caminho. Uma Visão Da Cura como Ponto de Mutação em que um Mal se Deixa Transformar em Bem. Ed. Cultrix, SP. 1999.

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