Por:Vannda Santana
Revisão: Marcia Vital
Por que escrevo? Para quem escrevo? E
o que escrevo?
Para responder a estas perguntas, se faz necessária uma
pequena apresentação: sou professora, psicanalista, arteterapeuta e, como
tantas outras pessoas, também fui vítima da depressão (doença da modernidade)
que assola grande parte da sociedade e que, às vezes, costuma atrelar-se à
síndrome do pânico, complicando ainda mais o diagnóstico. Este artigo é só um
desabafo à medida em que necessito escrever – um hábito que se tornou terapia a partir da
leitura – transformando pensamentos e
criando novos estímulos.
De 1996 até setembro de 2004, fixei residência em Petrópolis,
Rio de Janeiro, depois de adquirir uma “pseudo aposentadoria” que parecia ter
um caráter de segurança financeira para
os anos vindouros (um prêmio) que se sucedia após longos e exaustivos vinte e
nove anos de trabalho. A decisão de sair da Zona Sul do Rio e trocar o mar pela
serra revirava-me a imaginação de estar vivendo a aventura de um conto de
fadas: era tudo o que eu queria. Até o vento frio que soprava uma bruma branca
e úmida, deixando as vidraças embaçadas, era motivo de poesia, pois em tudo
havia uma beleza impar. Mas os dias na serra induzem ao isolamento e foi, de
fato, o que aconteceu.
Mas a calmaria da
montanha e a escassez de trabalho intelectual resultariam em nostalgia e até um
grande desânimo tomou conta do meu comportamento. Resolvi fazer um check up para
conferir como andava a minha saúde. Foi quando então, veio a surpresa: pressão
arterial alta. O cardiologista com sua postura de profissional ciente do seu
dever de médico receitou-me confiança
e muita calma, além de me prescrever
“um livro” – O Demônio do Meio Dia – Uma Anatomia da Depressão do autor: Andrew
Solomon. De início, achei aquela indicação estranha, mas à medida que eu ia
lendo confrontava-me com o próprio “demônio”
depressivo, o meu particular demônio interior. Lê-lo foi um desafio naquele
momento de tormenta. Porém, tendo vencido o primeiro instante da leitura, pude
compreender como a depressão ia aos poucos se extinguindo e a pressão arterial mais
controlada. Nesse momento, descobri o milagre que o livro havia produzido em
minha vida: novos horizontes se iluminaram, apontando novas oportunidades em
direção ao academicismo. Ao ser convidada por uma universidade para ministrar
vários cursos de pós graduação nas áreas de educação e psicanálise, surgia como
um despertar de energias em mim um desejo de viver tão vigoroso que apontava como
resultado a saída do caos; no mesmo instante que me introduzia de forma
satisfatória e prazerosa no universo intelectual. Essa reviravolta deu-me novo
folego e pude durante treze anos oferecer conhecimentos e outros saberes àqueles
alunos ávidos por concluírem seus cursos de pós-graduação, tutelando TCCs,
Dissertações de Mestrado e, alguma orientação em Teses de Doutorado. Por isso,
ler é remédio poderoso.
E é por este motivo que resolvi criar um Blog para expor “teorias” que possam
ocupar a minha mente enquanto penso naquilo que desejo expor e que, ao mesmo
tempo, possam indicar caminhos a qualquer indivíduo deprimido ou não, certa de estar contribuindo com a imaginação
criativa do leitor. Ainda assim, a leitura
é sempre causa de uma ação criativa, um
produto-íntimo e pessoal de ação humanista onde a “consequência” tem como
resposta, a ação-curativa por atingir outros
seres pensantes enquanto me leem e,
assim, através da escrita, uma catarse
poderá acontecer.
Diversos artigos são escritos
de forma intencional, desde um pensamento romântico até uma possível crítica
histórica, social, literária ou uma resenha de alguma época. Porém, em cada
escrito há o exercício do pensamento, oferecendo formulação de sentido ao ser
idealizado diante da manipulação de uma escritura ou de expressões pessoais: aquelas
que se permitem vazar pelas impressões da realidade ao tentar esculpir com palavras
a dor endurecida pelo sofrimento.
Neste mosaico de coloridas pinceladas de emoções escritas,
lanço mão de alguma metodologia acadêmica para dar suporte ao texto que se quer
lido por outros leitores e não somente para os que já se sentiram no lugar de vítimas
da depressão.
Portanto, alicerçar os pensamentos é poder direcioná-los no
sentido mesmo de alcançar o leitor naquilo
que ele busca como “terapia”: se encontrar com a sua razão de ser e de existir
– face a face com o objeto do prazer. Eis o que esses escritos propõem para serem
lidos através deste blog. Não há milagres encapsulados que possam apontar
saídas favoráveis aos que queiram buscar na leitura uma oportunidade
terapêutica. Existe, sim, uma ponte para ser atravessada no abismo temporário que
se chama CORAGEM, sem esta aquisição nenhuma leitura será prazerosa. Os textos serão
como alento quando alcançados pelo leitor e caso o atinjam. Ao contrário, de
nada terá valido a leitura, pois o escrito não terá conseguido libertar a alma
de sua prisão ocasional. Os textos manipulam um poder metafórico para além do
“arco-íris”, mas é preciso ler – narrar para viver e viver para narrar – quer
seja um texto literário, poético, pedagógico ou acadêmico, mas qualquer que
seja o escrito terá de exercer a sedução
ao olhar do leitor. Desse modo, o texto seduz o leitor à leitura e o encontro
se realiza num espaço mágico de ideias compartilhadas pelo prazer de ler.
Desse modo, posso afirmar que a escrita e a leitura exerceram
sobre mim os seus poderes mágicos, livrando-me do aprisionamento da alma e do
corpo, subjugados ao cego sofrimento da existência de uma depressão. Por outro
lado, e sem valorizar os acontecimentos, dispo-me da vitimização e da possível vaidade
para garantir o espírito da compaixão com aqueles que ainda não conseguiram se
erguer para abrir a porta da prisão que os asfixia. É neste ponto de encontro que lanço o meu olhar sobre o equilíbrio
perdido, a fim de tornar o pesadelo da angústia numa reação de prazer com
livros e textos.
Em nome dessa libertação de corpos e almas aprisionados pelo
stress e pela depressão, ofereço minha receita afetiva de vida: texto-terapia,
leitura-terapia, escrita-terapia como reconstrução de um ego completamente
estilhaçado. Ainda que o efeito catártico da leitura ou da escrita tenha
produzido várias interpretações não muito satisfatórias, temos a convicção da
prática do diálogo que se ergue face a face com o próprio texto, cumprindo sua função: tirar-nos da solidão avassaladora.
Esta dualidade dialogal entre o texto e o leitor aponta para a significância de
enfrentar o fracasso psíquico pela via do comportamento, alterando ações,
modificando sentimentos entre os polos positivos e negativos de reações psicológicas.
É neste sentido que me refiro como terapeuta em arteterapia a
poder trabalhar a comunicação entre as artes como essência de tratamento e
propiciar a criação do diálogo entre o
“eu” mediante um contato com o “outro”. Assim sendo, a individualidade se construirá
na coletividade, exercendo uma identidade autônoma. Como diz admiravelmente Maurice Blanchot: Se há um mundo onde, buscamos liberdade e
regras de vida, o que encontramos não é o mundo, mas o livro...
Eis aí a minha experiência com a depressão. As múltiplas
faces de muitas leituras salvaram-me e tiraram-me da crise. Assim, despeço-me
com as palavras de Mikhail Bulgakov:
Tudo passa –
sofrimento, dor, sangue, fome, peste. A espada também passará, mas as estrelas
ainda permanecerão quando as sombras de nossa presença e nossos feitos se
tiverem desvanecido da Terra. Não há homem que não saiba disso. Por que então
não voltemos nossos olhos para as estrelas? Por quê?
Fonte:
SOLOMON, Andrew. O Demônio do Meio Dia – Uma Anatomia da
Depressão. Ed. Objetiva, RJ, 2002;
OUAKNIN, Marc-Alain. Biblioterapia. Edições Loyola, SP. 1996;
THORWALD DETHLEFSEN & RUDIGER
DAHLKE. A Doença Como Caminho. Uma Visão Da Cura como Ponto de Mutação em
que um Mal se Deixa Transformar em Bem. Ed. Cultrix, SP. 1999.
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